Os temporais no Rio e o fracasso da humanidade

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A tragédia repetida e a hecatombe climática são sinais de que os seres humanos serão varridos do planeta

Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora




Quatro dias em casa por conta dos temporais no Rio e pude ver repetida, dezenas de vezes, nas telas da TV, do computador e do celular a imagem da pequena Ayla, uma criança negra de 4 anos, no colo de um bombeiro, após ser retirada dos escombros da residência soterrada em Petrópolis, na Região Serrana do nosso estado. As informações, também repetidas, são semelhantes: no deslizamento da encosta, morreram o irmão de Ayla (Lukas, 9 anos), seus pais (Beatriz, 25, e Douglas, 24) e a sua avó materna (Maria Lúcia, 66).

Bombeiros retiram a menina Ayla dos escombros em Petrópolis: tragédia climática repetida aponta para o fracasso da humanidade (Foto: Pablo Porciúncula / AFP - 23/03/2024)
Bombeiros retiram a menina Ayla dos escombros em Petrópolis: tragédia climática repetida aponta para o fracasso da humanidade (Foto: Pablo Porciúncula / AFP – 23/03/2024)

É a tragédia mais recente provocada pela chuva em Petrópolis, onde em 2022 morreram mais de 130 pessoas, mas o cenário – o bairro Alto Independência – é antigo, repetido, e me leva ao passado.  Em dezembro de 1981, eu era estagiário do Jornal do Brasil, envolvido na cobertura dos temporais que causaram dezenas de mortos pelo estado: os colegas Paulo Motta, repórter, e Carlos Mesquita, fotógrafo, voltaram à redação depois de passarem a madrugada em Petrópolis, a cidade mais atingida pela chuva. Na sexta-feira, 04/12/1981, a foto no alto da capa do JB mostrava o jovem Jamil Luminato, 20 anos, caminhando pela rua do Independência, com um bebê morto nos braços, que ele ainda tinha esperança de estar vivo.

Capa do Jornal do Brasil, com foto de Carlos Mesquita, em 04/12/1981: tragédia repetida, provocada pelas chuvas, no Alto Independência, em Petrópolis (Reprodução)
Capa do Jornal do Brasil, com foto de Carlos Mesquita, em 04/12/1981: tragédia repetida, provocada pelas chuvas, no Alto Independência, em Petrópolis (Reprodução)

Tragédia repetida, cenário repetido: as encostas do Alto Independência foram palco de novos deslizamentos ano após ano até reencontrar as manchetes em março de 2013, levadas pelo mesmo personagem. Pouco mais de 31 anos depois de estar no alto da primeira página impressa do JB, Jamil estava na capa dos sites de notícias, no sepultamento da filha, Drucilane (31 anos) e dos netos Rodrigo (4) e João Vitor (2), soterrados após deslizamento no Alto Independência. O pedreiro continuava morando na mesma encosta onde vivia com os pais e 10 de seus irmãos em 1981. No Alto Independência, ele casou e teve cinco filhos: em 2013, todos continuavam morando na área de risco, sob ameaça dos temporais.

A tragédia climática repetida é apenas um dos sinais do fracasso da humanidade, da sociedade desigual criada pelos seres humanos desde que se tornaram dominantes neste planeta 10 mil (20 mil? 30 mil?) anos atrás. Depois de subjugar ou extinguir milhares de outras espécies, os humanos estão dando passos largos para sua autodestruição, com a devastação do privilegiado ambiente da Terra. O fim dos tempos para os humanos no planeta está próximo, não creio que chegaremos ao próximo milênio: talvez o planeta resista; a nossa sociedade não vai. As tragédias climáticas repetem-se mas estão cada vez piores: mais intensas as chuvas, mais extremas as secas, mais altas as temperaturas, na terra e no oceano, mais incontroláveis os incêndios. E foi o domínio do fogo, uma das razões dos humanos tornarem-se dominantes na Terra, o mesmo fogo usado em todas as guerras de humanos contra humanos.

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