Os Tios e o Menino nas Cadeiras Azuis

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Por Claudio Lovato Filho, jornalista

Os dois homens estão sentados lado a lado nas cadeiras azuis do Setor Leste/Superior, Acesso J7. Ao lado deles, um menino, sobrinho dos dois, olha para o campo.




Os homens têm semblante carregado, cenhos franzidos, embora estejam no lugar de que mais gostam: o estádio.

O menino está sentado ao lado do tio mais velho, o tio que tem barba e que fala com voz arranhada. O tio que agora é o irmão mais velho. Até três semanas atrás, ele era o irmão do meio. 

O menino olha para o campo. Os times vão entrar em alguns instantes. A torcida, que não lota o estádio, mas que comparece em bom número, está agitada; é partida da reta final do campeonato, e o time corre risco de rebaixamento.

O menino ouve o som da batucada vindo da esquerda de onde estão. Ele gosta do som dos bumbos, dos surdos, dos taróis, dos repeniques, dos tamborins.

Hoje ele quer mais é que a batucada nunca pare, porque assim estará protegido das palavras dos tios. Ele não quer ouvir o que eles dizem. Ele sabe, pelo que vê no rosto deles, que as coisas que estão dizendo não são coisas que ele gostaria de ouvir.

Ele sabe que os tios só falam sobre isto, seja quando estão só os dois, seja quando estão com as esposas: com quem ele vai morar? (O menino está na casa do tio que agora é o irmão mais velho, mas não é uma situação bem resolvida.)

Há três semanas, a vida do menino se transformou completamente; um acontecimento trágico fez com que isso acontecesse.

Os times entram em campo. A torcida se manifesta. Bandeiras tremulam. E o couro come solto na batucada. Nesse momento, o menino quase consegue esquecer o que aconteceu na sua vida.

Então o jogo começa, e os tios param de conversar. Colocam toda a atenção no jogo, absorvidos pelo que acontece no gramado. De tempos em tempos, olham para o menino, que percebe isso, embora também esteja ligado na partida.

O menino pensa, de repente: e seu eu for embora?

Nesse momento, ele pensa no pai e na mãe, e na vida que tinha com eles até três semanas atrás, e tenta imaginar o que eles pensariam dessa sua súbita vontade de ir embora, ir embora para sempre, para nunca mais.

Ele pensa. E pensa mais.

Lá no campo, os times disputam cada metro quadrado do terreno, uma luta renhida concentrada entre as duas intermediárias; um jogo encardido.

O menino segue pensando. Aquela ideia se agarrou ao seu cérebro, incrustrou-se, imiscuiu-se irreversivelmente, e faz com que sua cabeça lateje e sua boca fique seca e seu coração bata como os bumbos do estádio.

Agora o time deles está fazendo muita pressão sobre o adversário. Muitas bolas alçadas na área e rebatidas de qualquer jeito pela defesa adversária. Os tios estão completamente absortos. 

O menino se levanta e diz para o tio que está mais próximo, o tio que agora é o irmão mais velho:

“Vou no banheiro” – diz isso numa expiração pedregosa, num jorro nervoso.

O tio está com o olhar vidrado no campo e agarra a borda da cadeira com as duas mãos. Ele olha para o menino e para o campo, para o campo e para o menino, e então diz:

“Tá… Vou lá com você… Espera só um pouco…” – diz isso e volta a pregar os olhos no campo

“Não precisa. Eu vou sozinho. É perto”.

O tio tira os olhos do campo e olha para o menino, mas ele já está caminhando entre as fileiras de cadeiras em direção ao túnel de acesso J7, e vai ficando cada vez mais distante e então some na boca do túnel, e o tio, que tinha voltado a olhar para o campo, agora olha de novo para a túnel, mas o menino sumiu.

O centroavante do time da casa, ídolo do menino, invade a grande área, pelo lado esquerdo do ataque, e dá um chute forte, rasteiro, na diagonal, um chute que o goleiro adversário espalma para escateio numa defesa difícil.

A batucada aumenta o volume e os cantos agora vêm de todos os setores do estádio. O gol parece ser questão de pouco tempo. O tio mais novo canta a plenos pulmões. O tio mais velho tira os olhos do campo e fica olhando para o túnel de acesso J7, Setor Leste/Superior.

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