Quem acompanhou o desenrolar da eleição da Argentina exclusivamente pela mídia comercial brasileira, das primárias em agosto até horas antes do fechamento das urnas do primeiro turno, neste domingo, ficou com a impressão de que a vitória de Javier Milei eram favas contadas. No limite, o triunfo se daria no segundo turno, mas as chances de vitória do palhaço fascista ainda no primeiro turno eram reais, segundo a imprensa.
Por Bepe Damasco, compartilhado de seu Blog
Foto: Reuters
O favoritismo do Bolsonaro argentino foi cantado em prosa e verso durante toda a cobertura da GloboNews no dia da eleição. Nem mesmo as pesquisas que mostravam uma disputa acirrada entre três candidaturas foram capazes de mudar o foco do noticiário: Milei era favorito e ponto final.
Já o candidato Sérgio Massa sempre foi tratado com desdém. Ignorando a força história do peronismo, principalmente nos estratos populares, diziam: “Como pode um ministro da economia de um país com hiperinflação ser um candidato competitivo?”
Abre parênteses: repetindo o que fizeram no Brasil, os veículos de comunicação naturalizaram o risco do fascismo conquistar o governo do país vizinho, tratando a candidatura de Milei como se fosse um fato corriqueiro do jogo democrático. Passaram até a tratar de forma ridícula e bajulatória o candidato que prega a destruição das instituições democráticas argentinas como “o candidato libertário”. Fecha parênteses.
Mas quem chegou na frente foi o candidato peronista, da coligação de centro-esquerda União pela Pátria, com 36,68%, seguido por Milei, da ultradireitista coligação A Liberdade Avança, que obteve 29,98% dos votos. Em terceiro chegou Patrícia Bullrich, candidata da direita tradicional, da Coligação Juntos pela Mudança, com 23,83%. Juan Scharetti, peronista dissidente, da coligação Fazemos em Nosso País, alcançou 6,78%, enquanto Myriam Bregman, da Frente de Esquerda, teve 2,70% dos votos.
Como o segundo turno é logo ali, em 19 de novembro, a movimentação dos candidatos que chegaram ao segundo turno em busca de apoio dos derrotados começou tão logo os resultados foram anunciados. Alguns trunfos de Massa para sacramentar a vitória no segundo turno, que será duríssimo:
1) Começou apontando o caminho correto, em seu discurso depois de ser confirmado como o candidato mais votado, prometendo um governo de unidade nacional, com prioridade para os trabalhadores, sinalizando ao mesmo tempo com uma frente antifascista e com o compromisso social de sua força política.
2) Seguir com a estratégia adotada com muita ênfase, no primeiro turno, pelos publicitários brasileiros Chico Kertész, Otávio Antunes, Raul Rabelo e Halley Arrais, responsáveis pelo marketing da campanha. A ideia que vem dando certo é mostrar as consequências nefastas para o dia-a-dia das pessoas das propostas de Milei de retirar todos os subsídios do governo para serviços públicos. Dois exemplos: o preço da passagem do Metrô seria multiplicado por dez e as escolas públicas deixariam de ser gratuitas, com os argentinos tendo que se virar para conseguir vouches para pagá-las.
3) Prosseguir com seu discurso de mostrar para o eleitorado que, nesta eleição, está em jogo a luta pela preservação do regime democrático (que acaba de completar 40 anos na Argentina), situando sempre Malei como a personificação da barbárie antissocial, antidemocrática e anticivilizatória.
4) Disputar os eleitores de Patrícia Bullrich, pois se é fato que sua coligação é basicamente antiperonista, também é inegável que muitos argentinos que votaram nela temem a ameaça totalitária representada por Milei. Considerada bem à direita no seu movimento político, Bullrich, dizem os analistas argentinos, ou votará nulo, ou apoiará Milei. Vários dirigentes do seu grupo, porém, não aceitariam essa opção.
5) Não é nada desprezível o capital eleitoral dos dois últimos colocados, que somam quase 10% dos votos. A tendência natural é que apoiem Massa. Juan Scharetti, atual governador de Córdoba, se assume como peronista e Myriam Bregman concorreu por uma frente de esquerda. Mas, para evitar surpresas, Massa já abriu negociações com Scharetti e Bregman para confirmar os apoios.