Otacílio D’Assunção (1954-2021)

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Compartilhado do site Almanaque do Malu – 

Que ano difícil! Fico sabendo hoje pela minha amiga Ada que o grande Otacílio D’Assunção, um dos maiores editores dos quadrinhos brasileiros, foi encontrado morto em seu apartamento no Rio. A sua passagem aos 67 anos de idade deixa um vácuo enorme no meio editorial, não só pela sua importante e antológica passagem como editor na Vecchi nos anos 70 e início dos 80, mas porque ele nunca deixou de trabalhar com os quadrinhos, seja em editoração, reportagem, pesquisa, tradução, projetos com personagens próprios, etc., já há algum tempo com sua própria empresa.

Que ele foi “O Editor da MAD”, ninguém tem dúvida: em 34 anos, na Vecchi, na Record, na Mythos e por pouco tempo na Panini (mais de 300 edições ao todo), ele  moldou a “cara” da publicação americana em sua versão nacional e fez a revista estourar em vendas. Graças a ele também, dezenas de desenhistas puderam ter a chance de publicar pela primeira vez em suas páginas (e ele mesmo, no sucesso “Relatório Ota”). Mas ser chamado só de “o editor de Mad” o irritava bastante, e ele tinha razão em se aborrecer, afinal, desde que começou como estagiário na Ebal, em 1970, sua participação nos bastidores sempre fez a diferença para muitos lançamentos em bancas, seja em mudanças editoriais ou estratégias sutis que surtiram um efeito muito significativo. Formado em jornalismo, fez história na Editora Vecchi, não só com MAD, mas com lançamentos surpreendentes que mexeram com o mercado, como revistas de terror que trouxeram de volta à ativa muitos desenhistas “clássicos” do terror nacional dos anos 60, além de – como sempre em seu trabalho – revelar novos valores das HQs nacionais.




Na editora, trabalhou com todas as revistas em quadrinhos da casa, de 1974 a 1981, entre elas, Spektro, Histórias do Além, Sobrenatural, Pesadelo, Tex (não no início da publicação), Arquibaldo e sua Turma (com a turma do Archie), Pimentinha, Ken Parker, Eureka (uma das melhores revistas Mix de tiras lançadas no Brasil), Gasparzinho, Brasinha, Mistério- Jacques Douglas, Os Duendes Strunfs, Zagor, Histórias do Faroeste, Comanche, Chacal, Chet, Diabolik, Labareda, Gansola, Luísa, a Boa Bruxinha, Lelo, entre outras. Em seguida, na Record, continuou com o bom nível, sempre em paralelo à revista Mad, que continuava no topo e com mais artistas nacionais ainda. Na editora, lançou vários personagens da Bonelli, assumiu a revista do Recruta Zero (inclusive colaborando com enredos), reiniciou a coleção de Asterix, lançou no Brasil os irmãos Hernandez (Love & Rockets, Locas e Crônicas de Palomar) editou uma edição especial de Carlos Estêvão, uma maxi-série do personagem Judas e uma muito bem feita coleção de Crypta do Terror, com capa de Carlos Chagas e clássico material da EC Comics.

Foi na Record que lançou o livro “O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro”, depois de um intenso período de pesquisa sobre os “catecismos”, revistinhas eróticas artesanais que eram uma febre nas décadas de 50/60. Na sequência de sua carreira, teve ótima passagem pelas editora Ediouro, com lançamentos de revistas mensais e uma retomada de histórias de terror nacionais (Coleção Assombração).

Nos últimos tempos, foi responsável por edições de luxo de personagens clássicos na Ediouro/Pixel (Fantasma, Mandrake, Recruta Zero, Luluzinha, Popeye) e trabalhos pontuais de editoração, lettering e tradução para várias editoras. Em sua longa carreira, sempre manteve viva suas atividades como autor. Logo no início da Vecchi, lançou três números da revista Biruta pela Roval/Gorrión, com personagens próprios. Na própria Vecchi, foi coautor dos personagens Chet e Chacal e fez também roteiros de terror (anos depois, sairiam alguns em Calafrio da D-Art, além do especial “Hotel Nicanor”, com desenhos de Flavio Colin, que sairá compilado em álbum ainda este ano). Entre os anos 70 e 90 participou de inúmeras revistas independentes ou com tiragens mínimas e em tiras, lançou Don Ináfio (no JB e também na MAD-Mythos).

A Garota Bipolar surgiu na metade da década passada e depois de fazer sucesso na internet ( em sites como Colecionadores de HQs e página própria – em 2015/6 virou e-book e edição impressa), ganhou edição caprichada com campanha no Catarse em 2020 pela Tai. Vale mencionar também sua volta à EBAL entre 1983 e 1984, pouco mencionada, onde lançou publicações louváveis com Tarzan, Homem Borracha, relançou a Cinemin, e soltou a edição comemorativa de 50 anos do Suplemento Juvenil.

A mesma Ebal que o colocou desenhado como anfitrião na edição especial “Chamada Geral – Epopeia”, em 1970 – um garoto que já sabia muito de quadrinhos entre feras do traço. Suas contribuições como pesquisador também devem ser lembradas, seja em livros importantes (como a edição do centenário de O Tico-Tico, com vários autores) como em sua inesquecível coluna de quadrinhos no JB, uma das melhores sobre o tema. Eu sou muito privilegiado por ter conhecido o Ota nas redes e ter trocado muitas figurinhas sobre quadrinhos desde o começo deste século e ter a honra de participar do seu grupo fechado de pesquisas.

Quem o conheceu ao vivo, guarda sua generosidade, seu desapego e sua fama de anfitrião no Rio – hospedou muitos artistas em passagem pela cidade, em seus vários endereços desde os anos 70 (no bairro Santa Teresa, no centro e na Tijuca) e compartilhou seus convescotes nas calçadas (e as preferidas mesas do Bibi). Quem viu sua vasta coleção (sempre empilhada em montanhas surrealistas) ficou de queixo caído, visto suas edições raríssimas em meio ao caos. Mesmo que, com seu jeito “a flor da pele”, ele tenha brigado com meio mundo do mercado, a comoção pela sua morte foi unânime – entre grandes afetos e desafetos, Ota era sempre muito respeitado e admirado.

Otacílio Costa D’Assunção Barros, que tentou até ser vereador em 1988, agora segue para outras missões quadrinísticas, e quando a gente menos esperar, vai virar documentário, livro e graphic-novel. O recluso, genioso e genial Ota merece.

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