Otavio Frias Filho, homem que tinha dúvidas se Lula estava preparado para ser Presidente porque “não sabia nem falar inglês”

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*João Tavares, jornalista

 O jornalismo empresarial brasileiro do final do século passado até nossos dias não pode ser estudado sem reverenciar o papel de Mino Carta na construção das revistas semanais e o de Otavio Frias Filho na dianteira do ‘Projeto Folha’. De gerações diferentes, ambos deixaram suas marcas no que talvez seja o último respiro das publicações impressas no país. Tiragens expressivas, aumento do número de assinantes, leitores ansiosos aguardando seus exemplares e influência direta nos rumos políticos e econômicos do país deram o tom dessas publicações.




Tudo junto e misturado não custa lembrar um episódio que muitos talvez queiram ver esquecido. O fato em si é uma nota de rodapé na biografia de Frias Filho, mas é um exemplo de como até os gigantes podem errar. Tradicionalmente, como fazem dezenas de veículos da imprensa, a Folha convida personalidades para um almoço na redação com jornalistas, editores e os donos do jornal. Lula não gosta desse tipo de convescote e sempre resiste a aceitar esse tipo de agenda.

Em 2002, em plena campanha presidencial que o levaria ao Planalto e por insistência de seu amigo e assessor Ricardo Kotscho, Lula pegou seu vice José Alencar pelo braço e foi almoçar com a família Frias e convidados. O almoço acabou indigesto, com perguntas beirando a aspereza e Lula falando pelos cotovelos, especialmente empolgado pela escolha de seu vice, o empresário mineiro que o acompanhava.

 De nada adiantou a estratégia inicial de sedução de Lula para amaciar os comensais. Calado, sisudo, Otavio Frias Filho fez a primeira e constrangedora pergunta a Lula, assim que o então candidato deu uma pausa em suas longas digressões: “Lula, você se sente em condições de governar o país, mesmo sem ter se preparado para isso, não sabendo nem falar inglês?”

 Lula segurou o tranco, esperou mais duas ou três ‘delicadezas’ e simplesmente se retirou no meio do almoço, para incredulidade dos anfitriões, sem antes dizer ‘eu não posso mais ficar aqui. Vou embora. Não posso aceitar isso em nome da minha dignidade”.

Lula ainda encarou o seu interlocutor e disse ‘eu não tenho culpa se você está nervoso porque o teu candidato vai mal nas pesquisas”. Naquela eleição Lula enfrentou e derrotou o tucano José Serra. Frias, o pai, ainda acompanhou Lula até o elevador e ao estacionamento e lamentou dizendo que isso nunca havia acontecido por lá.

 Vida que segue, Lula se elegeu, se reelegeu, virou amigo do Bush, foi o ‘cara’ – no dizer de Obama – nos foros internacionais e até desfilou de carruagem junto à Rainha da Inglaterra. E ainda não sabe falar inglês!

 

Esta história não é inédita. Apenas a retiro do baú da memória. O próprio Lula já a narrou em diversas ocasiões, para diversos interlocutores. Maiores detalhes deste e de outros bastidores da política brasileira nas últimas décadas podem ser encontrados no imprescindível livro “Do Golpe ao Planalto – Uma Vida de Repórter” de Ricardo Kotscho, editado pela Companhia Das Letras.

*Jornalista mineiro – daqueles que perdem um amigo, mas não perdem um bom ‘causo’ que mereça ser contado

Foto: Gustavo Scatena

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