Ouro, não o potássio, por trás do PL da mineração em terras indígenas

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Entenda como o rejeito da mineração é “o que vale dinheiro” e como a história da corrida pelo ouro e de Bolsonaro chegam aos interesse

Por Patricia Faermann, compartilhado de Jornal GGN




Garimpo na terra indígena Munduruku, no Pará, em maio de 2020 – Foto: Chico Batata/Greenpeace

Não é o potássio, mineral de extrema importância para os fertilizantes usados na agricultura brasileira, que incentiva o governo a acelerar a aprovação do PL 191/2020, o projeto de mineração em terras indígenas. Mas o ouro, que será obtido nos rejeitos da mineração das terras protegidas da Amazônia.

“Por que eles querem minerar em terra indígena? Porcausa do rejeito. Quem é que vai fiscalizar o rejeito? Quem é que vai dizer que tinha ouro lá?”, levantou o economista Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva, com décadas de experiência no agronegócio.

Apesar de explicar a importância efetiva do potássio nos fertilizantes necessários para a agricultura e a dificuldade de se obter este insumo, dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) divulgados esta semana pela imprensa revelam que somente 11% das jazidas de potássio estão na Amazônia e, destas, a grande maioria não se encontra sequer em terras indígenas.

“Não tem o menor fundamento invadir a terra indígena para obter alguma coisa que existe fora. Não porque tenha pouco ou muito, não é essa a questão. A questão é que existe fora”, completou Luiz Melchert.urn:uuid:3babee56-1cbb-01b2-e9b9-01b21cbb3bab

Por outro lado, não é novidade o interesse da bancada ruralista, com apoio do presidente, na mineração -principalmente do ouro como exposto acima- em terras indígenas. Em abril de 2021, o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração mapeou com nome e sobrenome a lobby político do garimpo ilegal.

No relatório intitulado “O cerco do ouro” [leia aqui], a movimentação de deputados federais, senadores, além de políticos regionais, junto ao governo de Jair Bolsonaro foi detalhada. Uma das principais pontes apontadas pelos pesquisadores com o governo foi o vice Hamilton Mourão. Os próprios presidentes do Senado e da Câmara em 2020 estiveram envolvidos nas articulações para fazer aprovar pautas do interesse da mineração.

O documento aprofundou como o garimpo ilegal de ouro em terras indígenas se refletiu no aumento expressivo do desmatamento nos territórios do alto Tapajós, como Munduruku, no sudoeste do Pará. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), somente em 2020, perdeu 2.052 hectares de floresta, tornando-se a sexta terra indígena mais desmatada do Brasil.

“O garimpo está dividindo nosso povo, trazendo novas doenças, contaminando nosso povo com mercúrio, trazendo drogas, bebidas, armas e prostituição. E ganância. Alguns parentes cegos com o brilho do ouro, estão fazendo o jogo sujo dos daydu, e publicamente afirmando que o povo Munduruku é a favor de garimpo e da mineração. Vamos repetir: suas palavras estão cheias de dapxim – cheias de ódio e mentira”, expôs carta aberta do povo Munduruku, em 2019.

O surto do garimpo ilegal do ouro nos territórios Munduruku, em 2020, foi relacionado pelos pesquisadores Luis Wanderley, Luísa Molina, Ailén Vega, Laize Silva e Rosamaria Lourdes, como a principal razão do aumento do preço do mineral naquele ano, contrariando a tese divulgada oficialmente de que o aumento ocorria por ser um ativo financeiro estável na pandemia.urn:uuid:61d0beb0-81f6-3308-b421-330881f661d0

Mas além de lideranças regionais e mesmo indígenas cooptadas para os interesses ruralistas, o Comitê buscou os atores políticos no lobby da mineração e do garimpo com vistas para o ouro, seja no Congresso ou de dentro do governo Bolsonaro:

Imagem: Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração

Nesta semana, o Comitê voltou a expor os nomes dos políticos em documento publicado em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) [acesse a íntegra aqui]. São listados o senador Wellington Fagundes (PL-MT), o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), Zequinha Marinho (PSC-PA), o deputado federal Joaquim Passarinho (PSD-PA), José Medeiros (Podemos-MT), o ex-senador Flexa Ribeiro, o vereador Wescley Tomaz (PSC-PA) – eleito como o “vereador do garimpeiro” em Itaituba, uma das regiões com mais garimpos ilegais no país, entre outros.

Imagem: Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração

De dentro do governo, além das insistentes defesas do próprio presidente Jair Bolsonaro e reuniões de outros membros, como o vice e ministros de governo, são explicitadas as movimentações de Alexandre Vidigal, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral.

“A escala de reuniões da Secretaria ao longo de 2019 foi marcada pela presença de entidades do empresariado (…). A maioria dos encontros contou com a participação do próprio Alexandre Vidigal, para discutir temas como o projeto potássio na Amazônia, a disponibilidade de áreas da Petrobrás na região e projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. O Instituto, inclusive, ampliou sua presença junto à Secretaria a partir de meados de 2019, momento em que a discussão sobre mineração em terras indígenas se acirrou em audiências públicas na Câmara dos Deputados e na imprensa, com o governo prometendo divulgar um projeto de lei para a regulamentação da matéria.”

Na continuidade dessas articulações, em agenda desta terça-feira (07), que até o início do encontro não havia sido tornada pública, o presidente Jair Bolsonaro reuniu-se com dezenas de representantes do Agronegócio. Somente após o término da reunião, no final da tarde, o encontro constou na agenda oficial da Presidência.urn:uuid:9f67ea44-03e9-94fa-eaef-94fa03e99f67

Nenhum dos ruralistas e representantes do Agronegócio convidados divulgou o teor da conversa. Anunciaram apenas a “importância do agro” para o país. Mas, notadamente, ganhou o reconhecimento dos preparativos para a campanha eleitoral 2022. Colunistas do UolTerra e outros jornais apontaram, imediatamente, o objetivo do presidente de arrecadar recursos e doadores para a campanha à reeleição.

Como de conhecimento geral, a bancada ruralista é importante base de apoio que elegeu Jair Bolsonaro em 2018. Ricardo Barros (PP-PR), de origem ruralista de tradicional família do Paraná e atual líder do governo na Câmara, é somente um dos mais conhecidos nomes da bancada que cobrou diretrizes diretas de Bolsonaro para o comando do país ao longo do mandato.

Foi ele, inclusive, que protocolou ontem (08) um pedido de urgência na Câmara para a votação do Projeto de Lei 191/2020, com o amplo apoio da bancada ruralista e do Centrão. Inevitável associar a prestação de contas da decisão, um dia após a reunião de suposta arrecadação de recursos para a campanha de Bolsonaro a representantes do agronegócio.

Bolsonaro reuniu-se com representantes do Agronegócio e ruralistas nesta segunda, 7 de março – Foto: Palácio do Planalto

Há dois anos, a mesma bancada comparecia em peso para um café da manhã com o presidente. À época, a ordem do dia foi direta: apoio ao PL que regulamenta a exploração de atividades econômicas em terras indígenas. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) cobrou de Bolsonaro que o texto viesse na forma de um projeto de lei.

Justamente porque se fosse publicado como decreto presidencial, poderia ser derrubado posteriormente. A bancada queria legalizar de forma permanente a exploração das terras indígenas. “Se fizer um decreto e o decreto atender de maneira voluntarista ao que nos interessa, ele pode cair no primeiro recurso. Então é preciso fazer isso de maneira amadurecida”, entregava o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), da FPA.

O garimpo como prática mineradora ilícita está diretamente ligado, no Brasil, à chamada “corrida pelo ouro”. Se em 1983, o general João Figueiredo editou um decreto que concedia à Funai (Fundação Nacional do Índio) autorizar investigações de minérios em terras indígenas, o interesse pelo ouro como bandeira dos projetos minerais na Amazônia não se restringiu aos anos 70 e 80.

Na história da exploração deste minério, o garimpo de Serra Pelada, no Pará, foi um capítulo marcante, que ao final dos anos 80 atingiu uma produção estimada de mais de 100 toneladas anuais de ouro extraídas, e a atividade se perpetuando ao longo dos anos, em meio a manifestações, massacres, denúncias de corrupção, contaminações e lobby de mineradoras.

Naqueles últimos anos da ditadura do regime militar brasileiro (1964-1985), Melchert compartilhou que participou de projetos dos quais “não se orgulha”. Entre eles, trabalhou para a Confederação Nacional dos Garimpeiros que atuavam em Serra Pelada.

“Foi quando eu entendi que o rejeito da mineração é que vale dinheiro. Porque enquanto você minera o fosfato para obter quilos por tonelada, quando se minera ouro são gramas por tonelada. Você imagina o rejeito de Serra Pelada, cada minério que tinha lá, Platina, tinha até Tório, que é radioativo, tudo no rejeito. Então a grande briga [de Serra Pelada] foi pelo rejeito.”

E as defesas da mineração por Jair Bolsonaro tem neste episódio suas raízes. Seu pai, Percy Geraldo Bolsonaro, foi garimpeiro em Serra Pelada. Mais recentemente, segundo levantamento do The Intercept, pouco antes de obter a vitória nas eleições 2018, em julho daquele ano, um dos filhos de Jair Bolsonaro levou a campanha do pai à Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada, no Pará.urn:uuid:a6169efb-29d8-5f83-9b38-5f8329d8a616

Ainda, durante a ditadura, foi nomeado um interventor para a região de Serra Pelada, Sebastião Rodrigues de Moura, chamado de “major Curió”, um dos responsáveis pela repressão que dizimou a Guerrilha do Araguaia e também notadamente padrinho político do atual presidente

“Temos projeto desde 2020 que permite explorarmos essas terras indígenas, de acordo com o interesse”, declarou Jair Bolsonaro em entrevista nesta semana.

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