As recordações significam uma coisa para o clube, outra muito diferente para cada torcedor em particular. É como se cada um carregasse o seu Pacaembu particular, e disso foi feita a lenda do velho estádio. Dessa teia de carinho que emana de todos os torcedores de São Paulo

Dia 28 de abril, o Estádio Municipal do Pacaembu cumpriu 81 anos de vida. Ninguém falou muito no assunto, mas se falassem, diriam mais ou menos as mesmas coisas. Que o Pacaembu é um monumento ao futebol, é nosso estádio mais querido, de tantas recordações, de tantos craques e partidas inesquecíveis que lá se deram; tudo muito igual ao que sempre se diz.

O fato é que, desde o início, o estádio não foi bem recebido por ninguém, ou pelo menos por nenhuma entidade. Começa por ter sido um presente da ditadura Vargas a São Paulo. Mais ou menos um afago. Sua construção começou em 1936, portanto, apenas quatro anos depois de São Paulo ter se sublevado violentamente, armas na mão, exatamente contra o governo Vargas. Muita gente torceu o nariz para esse tipo de presente.




Também nunca foi bem-visto pelos vizinhos, apesar de ter chegado ao bairro primeiro do que a maioria das casas. De fato, o bairro do Pacaembu se tornou uma extensão de Higienópolis, bairro rico, chique. Os ricos nunca se deram bem com a vizinhança barulhenta do estádio. Cansei de ouvir falar de queixas, abaixo assinados, protestos etc., contra a presença de gente do futebol vagando pelas elegantes ruas da região.

Eu mesmo, ao escrever sobre o estádio de maneira simpática, fui duramente criticado por moradores locais. Foi no decorrer dos anos uma convivência de modo algum pacífica entre moradores e torcedores. Particularmente, quando os jogos noturnos foram se tornando cada vez mais frequentes. E finalmente, os clubes, apesar de o utilizarem constantemente, nunca deixaram de pensar em seus próprios estádios.

O único grande clube que já tinha estádio era o Palmeiras, com seu tradicional campo na Rua Turiassu, o popular e saudoso Parque Antárctica. Os outros não tinham, mas sonhavam ter. Certamente também o Santos F. C. já tinha seu campo da Vila Belmiro, em Santos. O São Paulo ocupava acanhadas instalações no Canindé, o Corinthians não lembro se já tinha o Parque São Jorge, onde, de qualquer maneira, não mandava seus jogos, e a Portuguesa não tinha nada.

Ninguém via o Pacaembu como um estádio definitivo. Primeiro o São Paulo se bandeou para o Morumbi, a Portuguesa tomou o lugar do São Paulo no Canindé e o Corinthians permaneceu solitário no Pacaembu. Assim as coisas transcorreram de modo que nosso “estádio mais querido”, como querem muitos, não era exatamente querido por ninguém. Isso fica claramente exemplificado pelo Corinthians, que foi o clube que mais o utilizou.

E com isso o estádio foi-se tornando quase um sinônimo do clube, quase uma propriedade dele. Lá o Corinthians ganhou a maioria, para não dizer todos, os seus títulos importantes, lá festejou tudo, lá se alegrou até a loucura e sofreu até o desespero. O estádio era o Corinthians. Mas o Corinthians, como clube, jamais gostou do Pacaembu, a ponto de se meter numa aventura mirabolante de onde não saiu até agora e que certamente é um dos fatores da má situação do futebol do clube.

O Corinthians renegou seu aliado mais antigo e se foi para os lados da Zona Leste sem sequer um olhar de despedida. Se o velho estádio foi vítima de tanto desprezo, como se explicam os protestos de afeição, as juras de amor que ocasionalmente lhe são feitas? É que essas juras e saudações vêm dos torcedores. Os clubes são uma coisa, os torcedores são outra coisa. E todos os torcedores de São Paulo, de todas as torcidas, até a do Palmeiras, que sempre teve seu estádio, amam o Pacaembu.

As recordações significam uma coisa para o clube, outra muito diferente para cada torcedor em particular. É como se cada um carregasse o seu Pacaembu particular, e disso foi feita a lenda do velho estádio. Dessa teia de carinho que emana de todos os torcedores de São Paulo.

Hoje, quando o Pacaembu, cedido à iniciativa privada, ameaça transformar-se em nada, quando efetivamente não será mais nada a não ser um lugar situado num ponto privilegiado da cidade, propício portanto para bons negócios e fazer dinheiro, ele parece esquecido até pelos torcedores. Quem agora vai definir seu uso sabe que o local é tombado, então vai tomar muito cuidado para não burlar a lei. Mas vão conseguir aos poucos trabalhar no limite do que a lei permite, isto é, descaracterizar de maneira sutil, mas completa, o estádio. Não será muito fácil, mas os empreendedores paulistas são mestres em descaracterizar locais aparentemente protegidos.

Por enquanto, o Pacaembu está ainda na mente de todos os torcedores e é o que resta dele. Vamos ver até quando essa delicada névoa, essa fina camada feita de lembranças vai conseguir proteger o estádio. Mas as lembranças também se desfazem no contato com o passar do tempo. E os negociantes têm tempo, os homens de negócio estão alertas para gradativamente fazer desaparecer qualquer sinal do que aconteceu nesse lugar. Talvez um dia ninguém lembre que lá jogaram Pelé, Ademir da Guia, Roberto Dias, Rivellino, Dino Sani, Júlio Botelho, Zito, Enéas, Leivinha…