Diante de impactos, mais de 170 países discutem a produção e o descarte de materiais plásticos
Por Isabel Seta, compartilhado de A Pública
Resíduo mais abundante no oceano, que forma “sopas” de lixo no Pacífico Norte e, até 2050, pode superar, em peso, a quantidade de peixes nos mares, o plástico está em todos os lugares. Chegou a cantos remotos do planeta e polui também o ar. Em suas formas microscópicas, já foi detectado em órgãos humanos e até no sangue e no leite materno.
É um material que leva entre centenas e milhares de anos para se decompor. Assim, a maior parte do plástico que a humanidade já produziu ainda está entre nós. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), dos mais de 9,2 bilhões de toneladas geradas desde a década de 1950, sete bilhões viraram lixo.
Diante desse cenário, dezenas de países querem chegar a um acordo global inédito para conter a poluição por plásticos. A partir deste dia 25 de novembro, representantes de 175 nações, incluindo o Brasil, estarão reunidos em Busan, na Coreia do Sul, para a quinta e última rodada de negociações.
O objetivo é finalizar um tratado internacional, com poder de lei, que aborde todo o ciclo de vida dos plásticos – da produção e design ao descarte.
Diminuir a quantidade de plásticos de uso único (como copos descartáveis), estabelecer critérios para o design que facilitem a reciclagem, reduzir o uso de substâncias químicas tóxicas e definir recursos para a implementação das medidas são alguns dos assuntos a serem resolvidos.
A principal questão na mesa de negociação é se haverá limites estabelecidos para a produção de plástico, levando a uma redução progressiva, ou se só serão definidas medidas para melhorar o descarte e a gestão dos resíduos.
A cada ano, produzimos mais de 430 milhões de toneladas – das quais dois terços são produtos de vida curta, rapidamente descartados. A perspectiva é que a produção triplique até 2060. Hoje, apenas 9% do plástico é reciclado, conforme a OCDE. No Brasil, o material representa 17% de todos os resíduos processados por cooperativas e associações de catadores, segundo a Fundação Heinrich Boll Brasil.
“O foco na reciclagem para solucionar o problema não é o caminho. Temos que reduzir a produção de plástico, porque não conseguimos processar a quantidade de plástico via gestão de resíduos”, diz Ecimara dos Santos Silva, do Comitê Gestor da Aliança Resíduo Zero Brasil.
A produção plástica é um problema também para o clima, já que a imensa maioria das resinas é gerada por meio de combustíveis fósseis. Uma análise do laboratório federal americano Berkeley estimou que, em um cenário conservador de aumento da produção, as emissões de gases do efeito estufa da produção de plásticos primários podem dobrar até 2050, respondendo por 21% a 26% do orçamento mundial de emissões de carbono necessário para conter o aquecimento global em 1,5 ºC.
No debate internacional, a Coalizão de Alta Ambição, grupo de 67 países (entre eles Peru, Chile, Reino Unido, França, Ruanda e Nigéria), quer construir um tratado para acabar com a poluição plástica até 2040, reduzindo a produção e estabelecendo medidas de responsabilidade para os produtores.
Já países líderes na geração de resíduos – como Estados Unidos, China e Índia –, além dos grandes produtores de petróleo e gás – caso da Arábia Saudita –, são contra a definição de limites.
Para o Brasil, a implementação de restrições de produção precisaria vir acompanhada de transições justas, inclusive para catadores e outros trabalhadores do ramo, e apoio para a implementação de medidas. O financiamento, como costuma acontecer nesse tipo de acordo, é outro ponto delicado da negociação. Trata-se do dinheiro a ser mobilizado para que os países possam implementar as medidas, como recursos para melhorar a gestão de resíduos em países em desenvolvimento ou para estabelecer medidas de controle e monitoramento do uso de substâncias químicas.
“Um acordo ambicioso na área de plásticos precisa ser igualmente ambicioso nos meios de implementação”, afirmou Maria Angélica Ikeda, diretora do departamento de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e chefe da delegação brasileira nas negociações do tratado.
À Agência Pública, já em Busan para o início das reuniões, Ikeda lembrou que o financiamento foi o grande tema das duas últimas conferências da ONU sobre o Clima (a COP29), realizada nas últimas semanas no Azerbaijão, e sobre a conferência da Biodiversidade, que ocorreu na Colômbia no final de outubro. Na COP29, os países concordaram em 300 bilhões de dólares anuais para enfrentar a mudança do clima, muito aquém da meta de1,3 trilhão, como pleiteado pelos países em desenvolvimento. Já na COP da Biodiversidade, a impossibilidade de chegar a um acordo sobre financiamento postergou as discussões para uma rodada adicional no ano que vem.
“Esse tema [do financiamento] é muito importante. E, no caso dos plásticos principalmente, porque os países em desenvolvimento nem têm ainda as legislações e políticas necessárias para implementar o acordo. Há uma grande lacuna institucional e legal para os países em desenvolvimento e isso precisa ser apoiado pelos meios de implementação”, disse Ikeda.
Os países discutem também o banimento ou a diminuição progressiva do uso de substâncias químicas tóxicas em plásticos, associadas a riscos reprodutivos, de câncer, entre outros problemas para a saúde.
Um grande levantamento, publicado neste ano, apontou para a existência de 16 mil químicos em plásticos, 4,2 mil deles “altamente perigosos” para a saúde humana e para o meio ambiente – menos de mil deles, no entanto, são regulamentados pelas agências de controle ao redor do mundo.
O problema é que nem todos os países dizem ter condições ou estruturas administrativas para acabar com o uso dessas substâncias da mesma forma. A ideia então, apresentada pelo presidente do comitê internacional estabelecido para negociar o tratado, é formar listas iniciais com produtos a serem controlados, possivelmente com algumas exceções, além de critérios para que os países possam identificar outros produtos plásticos e químicos de preocupação.
O trio formado por Noruega, Ilhas Cook e Ruanda elaborou uma sugestão inicial de duas listas, uma de substâncias a serem banidas e outra daquelas a serem evitadas ou minimizadas. São mais de 1,3 mil – entre bisfenóis [composto usado para fazer resinas epóxi], retardantes de chamas, plastificantes e ftalatos [substâncias que deixam o plástico mais maleável e são tidas como cancerígenas]. Destas, pouco mais de 50 são regulamentadas no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como mostra um cruzamento feito pelo órgão. A partir de decisões do Mercosul, o Brasil trabalha com “listas positivas”, que determinam limites e condições para que substâncias sejam consideradas seguras para entrar em contato com alimentos.
Outra questão é como conter o proliferamento de micros e nanoplásticos – partículas minúsculas que vão se soltando dos plásticos conforme o uso e até na reciclagem. Segundo uma coalizão de cientistas independentes, elas respondem por cerca de um quarto da poluição atual e não podem ser removidas do ambiente. Por isso, defendem uma abordagem que diminua a geração dessas partículas durante todo o ciclo de vida dos produtos.
São tantos problemas que o acordo precisa resolver que algumas organizações já defendem que nem todas as decisões sejam tomadas por consenso entre os países, como de praxe em tratados internacionais.
“Um tratado com medidas vinculativas apoiadas pela maioria dos governos será muito mais eficaz do que um tratado voluntário apoiado por todos os governos”, afirmou Eirik Lindebjerg, chefe da delegação da organização sem fins lucrativos WWF (Fundo Mundial da Natureza, na sigla em inglês).
Resta, ainda, a preocupação de que o lobby da indústria do petróleo e do gás atrapalhe as negociações. Na rodada anterior, um levantamento do Centro para Direito Ambiental Internacional (CIEL) mostrou que os 195 lobistas da indústria petroleira e química superaram toda a delegação da União Europeia, com 180 integrantes. O número foi, ainda, sete vezes maior que o de representantes de povos indígenas e cinco vezes o de cientistas independentes.
Edição: Mariama Correia