Por Eugênio Puppo para Carta Capital –
É consenso que a justiça brasileira precisa melhorar. Mas na concepção do documentário Sem Pena, previsto para estrear na quinta 2, essa melhora opõe-se à concordância geral de que a engrenagem deve ser ágil para punir mais e com rigor. É justamente no oposto que está a força do filme de Eugênio Puppo, ao investigar as anomalias de um sistema lento, massacrante e, num paradoxo, injusto e cada vez mais ineficiente. A análise é feita a partir de casos de detentos que atravessaram um regime prisional marcado por absurdos kafkianos, como o de cumprir pena sem obter benefícios por causa de má comunicação entre varas judiciais. Os episódios se somam nas estantes das repartições e visto em conjunto o painel impressiona.
Para não tornar mais árido o tema, Puppo lança mão de recurso a princípio incômodo de não mostrar o rosto dos entrevistados. Réus, familiares, juízes, promotores, defensores de direitos humanos falam, mas em vez de imagens surgem na tela outras referências ao contexto. Exceção a uma audiência de uma senhora acusada de posse de drogas, na qual se expõem as incongruências do modelo atual. O que não se vê não se julga de modo apressado. A proposta de Puppo cria um elemento de perturbação que obriga o espectador a prestar atenção à palavra.
Isso não afetou a fruição da plateia durante a aplaudida sessão do 47° Festival de Brasília, em que Sem Pena foi eleito o preferido do júri popular.