Pantanal em chamas: calor, seca e ventos 40% mais intensos devido à crise climática

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Estudo aponta influência das mudanças do clima nos incêndios na maior área alagada do mundo, que podem já ter matado milhões de animais

Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora




Avião no combate aos incêndios no Pantanal: condições de calor, seca e ventos 40% mais prováveis com crise climática (Foto: Ricardo Stuckert / Agência Brasil – 31/07/2024)

A mudança climática causada pela ação humana tornou as condições de calor, seca e ventos – que provocaram os incêndios no Pantanal durante o mês de junho – cerca de 40% mais intensas e 4 a 5 vezes mais prováveis, de acordo com análise feita por uma equipe de pesquisadores da World Weather Attribution (WWA), grupo internacional de cientistas especializados em estudos sobre o clima. Este aumento no risco de incêndio é causado principalmente pelo aumento das temperaturas e pela diminuição da precipitação e umidade relativa, de acordo com o estudo divulgado nesta quarta-feira (07/08).

Desde o início de 2024, os incêndios afetaram mais de 1,3 milhão de hectares, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ). As queimadas explodiram em junho, foram reduzidas em julho com ações de combate às chamas, mas voltaram a recrudescer agora em agosto. “Os incêndios florestais do Pantanal deste ano têm o potencial de se tornarem os piores de todos os tempos. Condições ainda mais quentes são esperadas neste mês e nos próximos meses, e há uma ameaça considerável de que os incêndios no Pantanal possam queimar mais de três milhões de hectares”, afirmou o meteorologista Filippe LM Santos, pesquisador da Universidade de Évora e colaborador da UFRJ, um dos 18 cientistas envolvidos no estudo da WWA.

Em entrevista pela internet promovida pela WWA para a divulgação da análise, os cientistas destacaram que, antes da crise climática, condições climáticas semelhantes às ocorridas durante os incêndios eram extremamente raras em junho. “Infelizmente, incêndios florestais massivos estão se tornando um novo normal no Pantanal. A área de pântano submersa por águas de enchentes está diminuindo à medida que as temperaturas aumentam, tornando a vegetação muito mais seca e mais inflamável”, acrescentou o pesquisador brasileiro.

De acordo com o estudo, sem as mudanças climáticas, junhos no Pantanal com condições de calor, seca e vento semelhantes só deveriam ocorrer a cada cerca de 160 anos. No entanto, no clima de hoje, as condições climáticas para incêndios se tornaram quase cinco vezes mais prováveis, podendo ocorrer cerca de uma vez a cada 35 anos. “As mudanças climáticas deram uma ‘supercarga’ nos incêndios do Pantanal. À medida que as emissões de combustíveis fósseis aquecem o clima, oPpantanal está esquentando, secando e se transformando em um barril de pólvora. Isso significa que pequenos incêndios podem rapidamente se transformar em incêndios devastadores, independentemente de como eles são iniciados”, destacou a pesquisadora Clair Barnes, do Grantham Institute de Mudanças Climáticas e Meio Ambiente, di Imperial College de Londres, na mesma entrevista.

Para entender como as condições climáticas de incêndio de junho são afetadas pelas mudanças climáticas induzidas pelo homem, os pesquisadores também investigaram as variáveis ​​climáticas que compõem o DSR (Daily Severity Rating – a Classificação de Severidade Diária): temperatura máxima, umidade relativa, velocidade do vento e precipitação. A maioria dessas variáveis ​​quebrou recordes em junho de 2024: foi o junho mais seco, mais quente e e com mais ventos desde o início das observações. Apenas a umidade relativa foi a segunda mais baixa já registrada. Em seguida, analisamos como as mudanças climáticas alteram a probabilidade e a intensidade dessas quatro principais variáveis ​​climáticas. Nas observações, há uma forte tendência de seca e, como esperado, temperaturas cada vez mais altas acompanhadas por uma redução na umidade relativa, enquanto não há uma tendência clara nas velocidades do vento. Assim, de acordo com o estudo, o aumento no DSR pode ser explicado pelo aumento das temperaturas – impulsionado pelas mudanças climáticas – e pela diminuição das chuvas.

Os cientistas classificaram como “devastadora” a temporada de queimadas no Pantanal. O estudo aponta que, de acordo com estimativas, pelo menos 1,2 milhão de hectares (12.000 km²) tenham queimado — cerca de 8% do Pantanal brasileiro, quase metade do tamanho da Bélgica. “Os incêndios começaram no final de maio, excepcionalmente no início do ano, após uma estação chuvosa extremamente seca. Em junho, incêndios florestais devastaram o Pantanal, com uma estimativa de 440 mil hectares queimados, quebrando o recorde anterior para o mês de junho de 257 mil hectares”, lembra a análise, acrescentando que o pico da temporada de incêndios normalmente ocorre em agosto e setembro.

Os pesquisadores lembraram ainda que o Pantanal é considerado um “hotspot” de biodiversidade, por ser lar de espécies ameaçadas e em perigo de extinção, como onças, ariranhas, lobos-guará e macacos bugios. “Cadáveres enegrecidos de cobras, jacarés e macacos são uma ilustração trágica da devastação ecológica infligida pelos incêndios florestais do Pantanal. É provável que milhões de animais já tenham morrido nas queimadas deste ano”, afirmou a climatologista Friederike Otto, professora de Ciência Climática no Grantham Institute. “Nosso estudo deve ser tomado como um aviso – se o mundo continuar a queimar combustíveis fósseis, ecossistemas preciosos como o Pantanal e a Floresta amazônica podem passar por pontos de inflexão onde a recuperação natural de incêndios e secas se torna impossível”, acrescentou.

A redução do desmatamento e o fortalecimento das proibições de queimadas controladas ajudarão a reduzir o risco de incêndios no Pantanal, destaca o estudo. “O Pantanal enfrenta um futuro de fogo. As condições climáticas que causam incêndios florestais continuarão a acelerar até que o mundo pare de queimar combustíveis fósseis e alcance emissões líquidas zero”, afirmou a meteorologista Roop Singh, chefe de Urbanismo e Atribuição do Centro Climático da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. “Enquanto isso, ações no local são necessárias para reduzir o risco de incêndios florestais devastadores, incluindo a redução da ignição das queimadas e o fortalecimento dos esforços de combate ao fogo”, adicionou a cientista.

Brigadistas no combate ao fogo no Pantanal: após redução em julho, focos de incêndio voltam com força em agosto (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil - 30/06/2024)
Brigadistas no combate ao fogo no Pantanal: após redução em julho, focos de incêndio voltam com força em agosto (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil – 30/06/2024)

Agosto em chamas

De acordo com os dados divulgados pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ), a maior parte do Pantanal apresenta esta semana risco extremo de uma ignição se tornar um incêndio de grandes proporções, com “difícil combate até por meios aéreos, alta velocidade de propagação”. Com menos de uma semana, agosto já superou o total de focos de incêndio registrados ao longo de todo o mês de julho. Nos cinco primeiros dias de agosto houve 1.363 focos de fogo no bioma, número quase 12% superior aos 1.218 registrados nos 31 dias de julho.

Desde o início do mês de agosto, imagens do céu avermelhado pelo fogo, ou acinzentado pela fumaça, de chamas invadindo a BR-262 e de filhotes de onça carbonizados invadiram as redes sociais. O total parcial para agosto é superior também à média histórica de incêndios registrados no Pantanal para o mês (1.478 focos). Mais de 7 mil focos de incêndio tingem o céu do Pantanal nos últimos dias. O tráfego na BR-262 chegou a ser interditado pela Polícia Rodoviária Federal por causa do avanço das chamas nas duas laterais da pista.

De acordo com o último boletim divulgado pelo governo do Mato Grosso do Sul, há seis focos de incêndios ativos, além de duas áreas sendo monitoradas. Um foco que teve origem na região da Nhecolândia, no município de Corumbá, tem concentrado esforços das frentes de combate às queimadas, pela velocidade de expansão devido às intensas rajadas de vento na região. O boletim destaca que “a situação é particularmente crítica no Parque Estadual do Rio Negro e nas áreas ribeirinhas, que estão ameaçados pela propagação do fogo”.

Na região do Albuquerque, também em Corumbá, onde as imagens das chamas alcançando a BR-262 foram registradas, “a prioridade tem sido a proteção das áreas habitadas, com foco em garantir a segurança das pessoas”, de acordo com a nota do governo estadual reproduzida pela Agência Brasil. O fogo dessa região teria se expandido para uma área próxima à Fazenda Caiman, no município de Aquidauana, onde filhotes de onça carbonizados foram encontrados. Segundo o governo estadual, as ações também foram reforçadas na região com o propósito de proteger a área de preservação ambiental.

De acordo com o biólogo Gustavo Figueiroa, do Instituto do Homem Pantaneiro, a localização de dois filhotes encontrados carbonizados comoveu as equipes que trabalham na conservação e recuperação do bioma. Os animais foram encontrados no município de Aquidauana, em Mato Grosso do Sul, e a terceira onça morta pelo fogo foi encontrada na propriedade do recanto ecológico Caiman, em Miranda. “A onça é um predador topo de cadeia, é um animal que é superimportante para o ambiente, além de ser super ágil – consegue fugir, nadar, escalar árvore. E quando você vê onças sendo queimadas, imagina todo o resto da fauna que é muito mais lenta e menos ágil”, explicou Figueroa.

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