Por Luiz Fernando Vianna, compartilhado do Portal de Época –
Ilha na baía de Guanabara, sem carros ou crimes, é prejudicada por novos horários das barcas, decididos por concessionária que alega baixa demanda
Começou a valer no sábado 25 a nova escala das barcas que fazem a travessia entre a Praça Quinze, no centro do Rio de Janeiro, e Paquetá. A mudança prejudica os cerca de cinco mil moradores da ilha e reflete como o patrimônio material das empresas se sobrepõe ao patrimônio imaterial das cidades.
Apesar do mau cheiro da baía de Guanabara, Paquetá mantém seu ar bucólico. Não há carros, não há asfalto, quase não há crimes. É escolhida por artistas e outras pessoas que buscam uma alternativa à vida sôfrega das grandes cidades.
Foi cenário do romance “A Moreninha” (1844), de Joaquim Manuel de Macedo, e ainda é de namoros e casamentos, de rodas de samba e de choro. Formalmente, é um bairro do Rio, mas o prefeito Marcelo Crivella ainda não se manifestou sobre o que está acontecendo.
Em 23 de dezembro passado, com a atenção das pessoas voltadas para as festas de fim de ano, a CCR Barcas anunciou que mudaria a grade de viagens. Nos dias úteis, o número de embarcações trafegando nos dois sentidos cairia de 22 para 15. Nos fins de semana, de 25 para 12.
Nas palavras da CCR, as mudanças são “medidas para melhoria da eficiência operacional”. Embora os moradores de Paquetá não se sintam beneficiados por essa eficiência, a 6ª Vara de Fazenda Pública acolheu as alegações da concessionária.
Ainda no jargão da CCR, é preciso “adequar a oferta à demanda, reduzindo os impactos da crise financeira e na busca de um modelo mais sustentável na prestação de serviço de transporte aquaviário”.
Sob o palavrório vazio, há um jogo profissional. A concessionária moveu as peças pedindo à Justiça o pior cenário para os cidadãos que dependem das barcas: não haveria mais a linha direta Rio-Paquetá. Seria preciso fazer uma triangulação com Cocotá, na Ilha do Governador. Quem levava 50 minutos passaria a levar duas horas.
Como a empresa sabia que aconteceria, a Secretaria estadual de Transportes e a Justiça disseram não à proposta. Já havia outra pronta, esta que começou a valer no dia 25.
Embora ex-juiz, o governador Wilson Witzel fez que ignorou a decisão judicial e afirmou na sexta 24 que nada mudaria. A CCR já tinha outra carta na manga: dois “horários alternativos” para a redução dos serviços não ser tão drástica. Fez-se mágica: em vez de cortar horários, ela estaria acrescentando dois.
Mais um lance surgiu no sábado, em nota da concessionária: as tais viagens extras “poderão ser mantidas por um período maior caso haja a percepção de que o governo estadual está se movimentando e avançando nas tratativas para atenuar os prejuízos”. Fez pressão – para não usar outra palavra. Segundo a CCR, o Estado lhe deve R$ 1,4 bilhão, e os prejuízos mensais estariam na casa dos R$ 7 milhões.
No duelo de notas à imprensa, a Secretaria de Transportes comunicou que está preparando nova licitação para determinar a quem caberá a operação das barcas. Fez pressão de volta.
Há cheiro de queimado nesse jogo de profissionais. Pode ser que as duas partes cheguem a um acordo e que os cidadãos continuem arcando com o prejuízo. O tempo dirá.
Os moradores têm contado com o auxílio da Defensoria Pública e prometem resistir. Fizeram manifestações em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo estadual, e recebem vídeos de apoio do arcebispo do Rio, cardeal Dom Orani Tempesta, de Chico Buarque – sua irmã Cristina mora na ilha – e outros.
“Estamos irredutíveis. Dizem que somos a nova Bacurau”, diz a professora Alessandra Bruno, de 45 anos, brincando mas indignada. “Querem matar a ilha. A economia é feita de pequenos comércios, que dependem do turismo. Com os novos horários, o movimento vai diminuir muito.”
Com o aumento do espaço entre as viagens, quem perder na Praça Quinze a barca das 7h, no fim de semana, só poderá viajar às 10h. Quem perder esta, só às 13h. Quem não voltar às 14h só poderá voltar às 18h.
Nos dias úteis, criaram-se enormes buracos. As primeiras saídas de Paquetá, por exemplo, passaram a ser às 5h10m, 7h40m, 10h50m e 14h30m.