Paquetà, Bacurau ė aqui

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Por Zeca Ferreira, cineasta – 

Como em Bacurau, estamos sendo atacados e nosso grande desafio nesse momento é explicar para quem não vive a situação peculiar que nós vivemos, porque o nosso problema é maior do que isso, é um problema de todos, e é, de certa maneira, exemplar de problemas maiores que todo o país vive. Paquetá, como Bacurau, é o Brasil.

Nosso destino foi selado pelo acordo entre duas estruturas gigantes – o grupo CCR, uma concessionária formada por grandes empreiteiras, e a Secretaria de Transportes do Estado do RJ. Com argumentos obtidos em planilhas cheias de números , decidiram impor mudanças drásticas no horário do único transporte existente entre esse bairro-ilha e o resto da cidade, que praticamente inviabilizam a vida de quem faz a travessia diariamente, para trabalho, estudo,tratamento médico, etc. Alguns exemplos:




– com a retirada da última barca Pça XV-Paquetá das 0hs, vai deixar de existir a possibilidade de se estudar a noite na cidade, como muitos de nossos jovens fazem hoje. Com o último horário de retorno passando para as 22hs, também os plantonistas deixarão de poder voltar pra casa. Ou seja, serão obrigados a se mudar. Com a nova grade sendo implantada sem qualquer tempo para que as pessoas se prepararem, muitos empregos já estão em sério risco.
– com a redução dos primeiros horários da manhã, novamente a vida dos estudantes é prejudicada. A barca das 5:30, que existia exatamente para suprir a necessidade deles, passa inexplicavelmente para as 5:10, e a das 6:30, que levava os trabalhadores de horário comercial, deixa de existir, sendo a próxima apenas às 7.40. Ou seja, mesmo quem trabalha no centro, ou seja, perto da praça XV, entrando às 8hs, será obrigado a pegar uma barca às 5:10hs.
– tudo isso para não falar nos intervalos de praticamente 3 horas no restante do dia e no aumento da previsão no tempo de viagem, o que significa, na prática, que todas elas poderão ser operadas pelas barcas lentas e sem ar condicionado.
– no fim de semana, talvez o problema mais grave. As barcas ali serão reduzidas pela metade, com intervalos que chegam a 5 horas. Isso fere de morte o turismo, principal atividade econômica do bairro. Os principais restaurantes e pousadas da ilha já preveem que precisarão mandar embora pelo menos metade de seus funcionários, correndo o risco mesmo de fechar.

Ok, mas o que isso tem a ver com quem não mora em Paquetá? Para além do sentimento de solidariedade e empatia, essas características humanas, é importante marcar o quanto esse processo diz respeito ao Brasil de hoje e o quanto a nossa mobilização e reação podem ser também inspiração na luta por uma sociedade mais humana e justa. Quando essa decisão foi anunciada – com prazo de uma semana para sua implantação – imediatamente foram convocadas reuniões na comunidade para discutir saídas e pensar alternativas. A comunidade votou por um pedido de 20 dias para estudar as demandas da ilha que pudessem embasar conversas sérias. Isso foi protocolado mas de pronto negado pela CCR Barcas. Decidimos fazer o estudo mesmo assim, e, nos dias que se seguiram, dezenas de voluntários, orientados por profissionais, fizeram circular questionários pelos diferentes horários de barca. A pesquisa ouviu mais de 400 pessoas, gerando um relatório de mais de mil páginas, sistematizadas em um texto curto que poderia ser lido em pouco tempo, mostrando que a grade vigente, já com intervalos que chegam a 3 horas, são um patamar mínimo, fruto de duras negociações anteriores. Esse material foi anexado ao processo mas o juiz da “conciliação” optou por simplesmente ignorá-lo. Quando a defensoria pública argumentou que, entre os resultados da pesquisa, estava a informação de que muitos profissionais da escola e do hospital não poderiam mais trabalhar na ilha e morar no continente, ele saiu-se com essa: “contratem outros, está cheio de desempregados por aí.”

Estamos em 2020, no Brasil. Grandes grupos econômicos, parceiros comerciais dos governos, decidem sobre a vida de milhares de pessoas sob o olhar plácido, quando não cínico, do poder judiciário. O “prejuízo econômico” serve como argumento para estrangular um serviço básico, que não poderia jamais ser medido pela régua do mercado. Nossos direitos fundamentais são rifados e a sua defesa é estigmatizada.

Mas estamos unidos, estamos fortes e estaremos juntos até o fim, lutando para que a grade da morte não nos seja imposta a partir do próximo dia 25.

E amanhã, dia 21 de janeiro, uma comitiva de moradores irá até o Palácio do Governo, em Laranjeiras, para pleitear uma audiência com o governador Wilson Witzel, pedindo providências imediatas. Apareçam por lá, venham conversar com a gente, conheçam a nossa luta que é uma luta do Rio de Janeiro, do Brasil.

#RespeitaPaquetá
#SOSPaquetá

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