Mais um episódio da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Neste capítulo, mais uma carta de Cícero César ao cantor e compositor gaúcho Marco Aurélio Vasconcellos.
Antes de chegarmos ao texto eu, Washington, meto a colher sobre a curiosidade dos nomes do remetente e do destinário desta carta. Cícero no primeiro nome nos remete a Marco Túlio Cícero, advogado, político, escritor, orador e filósofo, que viveu entre 106 e 43 A.C. Já o segundo nome do nosso escriba, César, nos leva, lógico, ao grande imperador romano que nasceu nos 100 A.C. até 44 A.C. E o nosso digno destinatário gaúcho, Marco Aurélio, é xará do filósofo e imperador romano, que viveu entre 121 e 180 D.C.
Que sopa de datas e nomes, não! Tudo isso para chegarmos até Paquetá. Um amigo, brincalhão, diz que em tudo que leio, incluo Paquetá na história.
Brincadeira pura daquele que, de vez em quando, muda seu segundo nome artistítico. Músico e fotógrafo, que tem a Ilha de Paquetá como musa predileta, o artista, que assina a foto da postagem, neste momento se intitula Guilé Zão.
Mas veja, meu amigo de tertúlias da barca que nos leva e nos traz à IIlha, como Paquetá está em tudo. Tudo de Bom, como na carta de Cícero César a Marco Aurélio Vasconcellos. Aliás, se eu não conhecesse, não morasse em Paquetá, iria correndo para cá depois desta bela carta enviada pelo Cícero César, numa garrafa jogada com carinho no mar deste Bem Blogado.
Vamos à missiva entre “romanos”:
“Meu caro Marco Aurélio, como vão os ventos no Sul? Por aqui, ao que parece, chegou uma frente fria. O tempo mudou de repente. Nesse vai e vem da cabeça, falando em vento e pensando alto, me recordei de sua terra: quando eu era garoto, bebi em uma viagem a Porto Alegre um refrigerante de limão chamado Minuano. Será que o refri ainda existe, meu amigo? Depois me diga aí de sua estância.
Sabe como é que é, eu lhe digo em forma de palavra de ordem: “Nenhum Minuano a menos!” Que me venham os dois, o doce e o frio, um à flor da pele, outro na imaginação.
Escrevi essas tortuosas linhas mais ou menos como apreciações de um local a um visitante. É meio tema de composição de liceu, reconheço. Talvez tenha carregado nas tintas, você me diga.
Aliás, a bem da verdade, nem local sou, pois não moro em Paquetá. Entretanto, tudo que eu disse talvez lhe seja útil caso você esteja de passagem pelo Rio de Janeiro. E é de todo coração, como não poderia deixar de quem aqui lhe estende a mão à amizade.
PARA SE VIVER EM PAQUETÁ
Para se viver em Paquetá, é preciso ter a elegância ao rês- do-chão. Um Walter Alfaiate é mais que muito Armani.
Para se viver em Paquetá, carece ter gatos em casa. Não precisa nem de pedigree, que já dão para o gasto os gatos da rua.
Para se viver em Paquetá, vale a pena saber de cor uns sambas dos bons e os nomes e os tons dos envolvidos. Pois sem samba, não dá: não se faz um pocket show em Paquetá sem samba. Em tempo e no tempo, é preciso gostar de música, apenas isso.
Para se viver em Paquetá, é bom saber andar a pé ou de bicicleta. Ser bom de garrafa, ser bom de tarrafa e ter pé de atleta.
Para se viver em Paquetá, é preciso varrer de manhã os quintais. É preciso amar e é preciso saber quando amor não há mais.
Para se viver em Paquetá, é preciso tomar banho de mangueira para se refrescar, quando o sol bater firme na moleira. Verão, veraneio.
Para se viver em Paquetá, é preciso gostar de conversa de bar. Não se pede a última nem se tem a última palavra. Conversa-se.
Para se viver em Paquetá, é preciso comer com pimenta, sem abuso. É preciso se ver, é preciso calar, para se viver em Paquetá.
Entretanto, nem tudo são flores na ilha dos meus amores. A empresa do Grupo CCR sabe como poucos apoquentar o morador de Paquetá. Os cabras em nome da grana deixam o povo a ver navios no fim de semana, vê se pode! E Paquetá é lugar popular!
E ainda com tanta coisa para lhe dizer, reparo que a carta vai ficando mais longa do que a espera da barca. Inspirado no perrengue do retorno, meu amigo do Sul, deixo-lhe os seguintes versos de minha lavra:
Pérola da Guanabara,
A barca é meu pau-de-arara,
Quando eu saio da ilha para trabalhar.
Se eu perco na volta a das onze,
Me dá um banzo, um bode,
Que só quem perde o bonde
E a esperança é capaz de externar!
Um grande abraço,
Cícero.”
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.