Mais um episódio da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Desta vez, Cícero César fala da Paquetá de sua infância e da nossa Ilha hoje.
Paquetá é o que restou da humanidade (Maurinho – Mauro Célio da Silva, professor de Filosofia)
“Eu deveria ter uns onze anos quando visitei a ilha de Paquetá pela primeira vez. Mal saiu a barca da Praça XV, fomos saudados por um bando de golfinhos.
Meninos, eu vi golfinhos na Baía de Guanabara! Ao vivo, não foi no Globo Repórter ou coisa que o valha. Foi à vera.
Eles deviam ser abundantes na região, tanto que fazem parte do emblema da cidade, mas já estavam em risco de extinção no meu tempo de meninice.
Hoje é mais fácil ver gente se engalfinhando do que golfinhos na Baía de Guanabara. Os que vi eram da cor cinza como era o Flipper da televisão, mas não sei se eram da mesma espécie. O boto cor-de-rosa, por exemplo, não é.
Também vi latas de cerveja, daquelas pesadas. As de alumínio só entrariam no mercado bem mais à frente. Como a nossa memória é engraçada: desse dia em Paquetá eu me lembro da caravana dos golfinhos e de uma lata de cerveja boiando nas águas da Baía.
E da barca, a velha barca da Coderte, cada uma com seu nome de batismo, sei lá, em Tupy. Parecia até jingle da Piscina Tony: Búzios, Ipanema, Paraty, Paquetá. Tá bom, o jingle não era assim, mas memória também brinca.
Barca com ar-condicionado é confortável, todo mundo sabe disso. Mas quem sentiu a brisa pelos janelões também sabe o que é bom. Tá bom, é barulhenta, mas é uma chata simpática, pô. “Ferry boat” é outra onda.
“Quem com ferry fere Com ferry será ferido”, confere?
Em terra, eu brinquei por ali, debaixo das amendoeiras. Quem não conhece a ilha fica ali pela meiúca mesmo, não se aventura tanto, joga mais parado.
Passaram-se anos. Voltei a visitar a ilha com frequência devido à mudança do amigo Maurinho. Ele, Sabrina e Antoni foram morar em Paquetá, assim meio de estalo, coisa de botar o calção, a canga, o protetor solar e ir.
Maurinho se enturmou tanto com o pessoal que parece cidadão de lá. Não volta mais para o continente, a não ser obrigado.
Meus filhos, minha mulher e eu, os amigos mais próximos, isto é, muita gente conhecida, graças a ele, passou a frequentar Paquetá, a pensar em morar em Paquetá, a fazer contas e conjecturas para ver se a aventura cabia ou não no orçamento.
No sábado, dia 05 de março, teve um samba bom em tributo a um grande sujeito, o Oscar Bolão. O cara era bom mesmo, quem é do meio da música sabe disso.
Maurinho e ele eram muito amigos, tinham até o que Maurinho chamava de ritual de domingo e tal, que logicamente tinha a ver com beber umas cervejas a caráter, isto é, de chinelos de dedos, de roupas leves e confortáveis, sem nenhuma impostação – a não ser, é claro, aquela que é produzida pela palavra. Mas aí não é impostação, é jogo de corpo, finta, sinuca de bico com as palavras.
Para alguns, Paquetá é um botequim a céu aberto.
Paquetá me faz lembrar de Ana Decker, da Cristina, do Afonsinho e Regina, do Washington e de um rapaz que jogou bola com o Lucas Paquetá, mas que foi traído pelo joelho um pouco mais frágil.
O rapaz, de quem não sei o nome, se torna também o símbolo desse lugar. Lá estava ele nos contando a sua história no futebol enquanto guiava o ecotáxi à rua Dois Irmãos, que era onde o Maurinho morava à época.
Que não lhes faltem nem água nem luz nem cerveja nem samba!”
Foto do post: Washington Luiz de Araújo
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.