Paquetá, um bairro que não dá lucro, mas a ilha é o futuro, o único no qual eu acredito

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Por Zeca Ferreira,  cineasta e professor – 

Há algo de precioso na psicologia de uma ilha, potencializado ainda no nosso caso, quando a ilha é uma espécie de satélite flutuante de uma grande metrópole. Um lugar completamente fora do tempo, do ritmo acelerado da cidade, dos carros, do lucro. Paquetá não tem carros, e, ao que parece, Paquetá não dá lucro.

Ainda assim, tão distante do Rio de Janeiro quanto um bairro poderia ser, estamos há apenas 17 km do seu centro nervoso, somos o passado e um futuro possível da cidade que já foi – e quem sabe ainda volte a ser – maravilhosa.




Somos um poderoso espelho de tempos distantes, temos vocação pra utopia, ainda que sob a enganosa aparência de decadência. Somos a cidade maravilhosa na essência, negando a maquiagem da aparência.

E com tudo isso, ou talvez por tudo isso, fomos condenados. A empresa que ganhou de um juiz o direito de legislar sobre nossos horários, sobre nossos ires e vires, quer nos penalizar com uma morte rápida, mas nós resolvemos não aceitar.

Os antigos charreteiros de Paquetá hoje dirigem modernos carrinhos elétricos. Seus cavalos de estimação foram trocados por baterias que morrem a cada par de anos. Adquiriram novas, coisa de 8 mil reais o kit, e agora não se sabe como será possível pagar o prejuízo de morar em um bairro que não dá lucro.

O pequeno e suado lucro diário dos nossos amigos condutores já caiu a menos da metade só nesses primeiros quatro dias de implantação da nova grade, assim como os restaurantes, o comércio ambulante e todo tipo de pequeno negócio pela ilha. Por isso nossa luta é utópica mas também é urgente.

Mas o que significa o pequeno lucro de um charreteiro elétrico diante dos 7 milhões mensais que a empresa que agora governa os nossos relógios alega perder todos os meses levando e trazendo as pessoas para o nosso bairro? Os bairros agora, como os bancos públicos, os hospitais, as escolas, precisam dar lucro.

Vou repetir a frase que está apontada para nossas cabeças, tal qual uma arminha de dedo: bairros agora precisam dar lucro.

Sempre disse que Paquetá poderia bem ser um laboratório de políticas públicas: nosso transporte, nossa escola, nossos cuidados médicos, nossa segurança, tudo nosso depende do público.

E quando o setor público não ajuda, compensamos no amor, pois o amor pela ilha sempre foi o fiel da balança entre lucros e prejuízos terrenos.

Mas se um país decide que políticas públicas devem sucumbir à lógica do lucro, faz todo sentido que sejamos atacados como estamos sendo.

Todas essas mal traçadas linhas aí em cima são pra explicar porque a morte do meu bairro é o começo da morte definitiva da cidade, do estado e do país. Nossa luta parece pequenina mas é uma luta grandiosa, pois é a luta pela vida, simplesmente.

Se Paquetá morrer, morre o futuro. (Logo Paquetá, que parece um pedaço mal conservado do passado)

Paquetá é o futuro, o único no qual eu acredito.

Não vamos morrer, e só vamos até o fim pra poder começar tudo de novo.

Foto: Washington Luiz de Araújo

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