Para vencer o golpismo

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Por Roberto Amaral, Carta Capital  – 

De um lado está um PMDB poderoso e inconfiável; de outro, um PSDB ensandecido pela paixão golpista. Uma união diabólica

Renan Calheiros é o último vagido do latifúndio canavieiro do Nordeste; Eduardo Cunha, um Severino urbano, mais articulado, e com as mesmas raízes no atraso




Renan Calheiros e Eduardo Cunha
Antonio Cruz/Agência Brasil

O Brasil não é uma republiqueta, e aqui não se repetirão os bem sucedidos ensaios do Paraguai e de Honduras. Nem outros, porque a sociedade também não mais aceitará a quebra da legalidade reconquistada após mais de 20 anos de ditadura militar. Muitas de suas cicatrizes ainda estão vivas, outras coçando para nos lembrar do que não poderemos jamais esquecer.

É o que não entendem as novas vivandeiras, felizmente ainda sem tropas para cortejar. Tampouco Aécio é Carlos Lacerda, em comum apenas o desapreço ao jogo democrático. E os muitos desvios de caráter. Também não surpreende a nova postura de FHC: antes dele, muitos homens públicos envelheceram sem sabedoria. É mesmo muito difícil sobrevier à propria biografia.

Eduardo Cunha é um Severino urbano, mais articulado, e com as mesmas raízes no atraso, a que se somam seus negócios com a ala mercenária do pentecostalismo. E por isso mesmo incontrolavelmente audacioso e na mesma medida perigoso. Renan Calheiros é o último vagido do latifúndio canavieiro do Nordeste. Mas todos estão na ativa. Um presidente da Câmara dos deputados, outro presidente do Senado Federal e do Congresso. Todos na linha constitucional da sucessão presidencial.

Há no país uma coorte assumidamente golpista reunindo imprensa – o maior partido da oposição –, setores ponderáveis da avenida Paulista e partidos políticos. Esta é, oficialmente, a postura do PSDB, açulado pela oscilação macunaímica [com o perdão a Mario de Andrade] de um PMDB que, não sabendo se é governo ou oposição, joga maliciosamente nas duas pontas contra a Presidente.

Mas esse PMDB, artífice da chantagem, é o maior partido da base do governo, que dele depende para governar! Desse PMDB é vice-presidente da República e articulador politico do governo o Sr. Michel Temer, que, em convescote em Nova Iorque anuncia, para aplauso dos presentes, que ‘manteria o Levy no Ministério’. Em quais circunstâncias isso seria possível?

De um lado, portanto, está um PMDB poderoso e inconfiável. De outro, um PSDB ensandecido pela paixão golpista. Uma união diabólica. Girando como pião entre uma força e outra, uma base parlamentar flébil, acuada, e um PT que do velho e aguerrido Partido dos Trabalhadores de anos passados guarda só a sigla.

Nessas circunstâncias movem-se as peças de um oposicionismo canhestro propelido pela irracionalidade da inveja, pelo despeito que alimenta o ódio hepático. Esse filme o Brasil conhece e repudia: já o viu em 1954 e em 1964 e sabe qual foi o preço pago pela democracia em ambas as  oportunidades. Rejeitamos sua reprise masterizada.

O golpismo se desenvolve em cascata: o primeiro passo foi a recusa em reconhecer o pleito e sua lisura e a tentativa de ‘recontagem’, insinuação de fraude eleitoral; depois as ridículas tratativas visando a impedir a posse, depois os reiterados ensaios de impeachment (ora por motivação política, ora judicial, ora por isso e ora por aquilo, e sempre sem fundamentação ética ou legal); depois, promessa de ‘sangrar a presidente’, inviabilizando seu governo, ainda que isso cobre preço altíssimo à economia nacional e à vida de nosso povo. A tentativa é asfixiar o governo para vê-lo irremediavelmente sem fôlego.

Essa gente não leva em conta as consequências para a economia do país. Aí entra em cena a felonia do PMDB, que escala os presidentes da Câmara dos Deputados (este na expectativa de ser processado por crime comum [extosão] pelo STF) e do Senado Federal, de biografias conhecidas, para o ofício da sabotagem. São eles os verdadeiros líderes da oposição, juncando de trambolhos o governo da presidente Dilma, no afã de jogá-la e seu partido contra a população.

Na verdade, não se trata do salutar exercício da oposição – sem a qual não existe democracia digna do nome –, mas da tentativa de exterminar politicamente a presidente e seu partido, tentativa que em si mesma nega e repele o processo democrático. O leitmotifdessa oposição desvairada deixa de ser a crítica pontual ou em tese ao governo. Em seu lugar se instala a lógica do ódio que gera ódio, o mais eficaz fermento da intolerância que gera a violência, que descamba da ofensa verbal para a agressão física.

Este é um labor mesquinho, quando todos deveríamos estar unificados na busca de saída para a crise. Esta é a hora de buscar compromissos honrosos, é o momento de abandonar a mesquinhez da luta pequena que empobrece a política e passara pensar no país.

Que tempestades espera a oposição colher com os ventos que ora sopra?

A análise só se justifica como instrumento de ação. Se a tentativa de golpe está posta, que se erga a defesa do governo. Sem lamentar a oposição, mas, denunciando seus arreganhos golpistas, cuidar de sair do imobilismo em que se acham a centro-esquerda e os liberais. O momento, portanto, não permite nem a contemplação inativa nem a autocomiseração (“estamos no volume morto!” “temos que ser punidos pelas besteiras que fizemos!”).

Essas duas alternativas, se escolhidas por nós, favorecem o conservadorismo. Há uma terceira que igualmente nos enfraquece, a da automistificação (“O petismo no poder foi revolucionário, emancipou as massas e alijou do poder as classes dominantes!”). O primeiro passo, agora, é distinguir o fundamental do acessório. E o fundamental me parece ser, nas atuais circunstâncias, a sustentação do governo Dilma, até para poder alterar-lhe a equivocada política econômica. A pura crítica nossa só interessa, neste momento, aos setores golpistas.

Mas o governo tem que ajudar: ele precisa definir de que lado está. A presidente Dilma Rousseff precisa se convencer de que: 1) O Brasil não vive um ‘pacto de classes’: um esboço desse pacto, encarado taticamente pela burguesia, foi feito no governo Lula, pois o projeto tucano havia se esfacelado;

2) Fortalecida, a direita já fez sua opção, e ela é, neste primeiro momento, Aécio Neves, candidato ‘consagrado’ em uma campanha que para ela não acabou nem acabará antes de seu triunfo, independentemente do preço a pagar; 3) Logo, só é possível ocupar o espaço da centro-esquerda, deixado vago, em parte, pelo próprio governo petista, com sua tática de conciliação permanente.

Isso implica definir uma agenda progressista mínima e buscar implementá-la na medida que as circunstâncias permitirem. Contrário senso, limitar as concessões à direita ao mínimo indispensável para sobreviver. Ou seja, procurar só fazer recuos que permitam avançar. Se necessário, dois passos à frente e um atrás, jamais o contrário.

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