Por Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite * –
“Cidadezinha cheia de graça….”
Mário Quintana (1906-1994)
Em seus primórdios, a capital dos gaúchos foi denominada de Porto dos Casais (1752), transformou-se em Freguesia (1772), elevou-se a Vila (1810) e, em 1822, ganhou foros de cidade pelo imperador dom Pedro I.
Ao passar dos anos, Porto Alegre seguiu crescendo… Amada pelos gaúchos de todas as querências, ela se tornou cosmopolita sem perder a referência de suas origens açorianas. São 244 anos de hospitalidade que se comemoram neste mês de março de 2016. A “57ª Semana de Porto Alegre”, também, conhecida pelo epíteto “Cidade Sorriso”, é um momento de festa que nos possibilita uma reflexão sobre a sua história e importância que esta representa em nossas vidas
Após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, Porto Alegre procura modernizar-se, buscando se inserir no conceito de “Ordem e Progresso”. Grandes transformações urbanas ocorreram na gestão do intendente José Montaury (1858-1939) e durante o governo de Borges de Medeiros (1863-1961). Com a ampliação da rede elétrica, da rede hidráulica e das linhas de bonde, nossa cidade passou a equiparar-se aos modernos centros urbanos do mundo. No ano de 1900, o censo registrou uma população de 73.474 habitantes na capital gaúcha.
O conceito de modernidade, no início do século 20, de acordo com a doutrina positivista, era associado à implantação de indústrias. De acordo com essa visão, surgiram na capital gaúcha nossas primeiras empresas: a Neugebauer (1891) – maior e mais antiga fábrica de chocolates do Brasil – a Gerdau (1901) e a Wallig (1904).
No ano de 1909, alguns bairros já usufruíam de iluminação elétrica e no centro da cidade, paulatinamente, desativaram-se os antigos combustores a gás. O jornalista e escritor Aquiles Porto Alegre (1848-1926), em seu livro “Através do Passado” (1920), pp. 45-6, narra as transformações do dia-a-dia da urbe de maneira quase poética, como registra este trecho de uma das suas crônicas:
“Ao invés da iluminação azeite de peixe – a luz elétrica, ao invés da maxambomba, que não matava ninguém – o elétrico e o auto, que como epidemia, estão sempre fazendo vítimas – eis o que o progresso nos trouxe. É doloroso – mas é bonito. Não temos mais frades de pau à porta de casa, nem, de pedra às esquinas. Temos postes telefônicos e de luz elétrica, que nos trazem a casa, de longe, num relâmpago, a palavra e a luz.”.
Um conjunto de transformações passou a fazer parte da rotina dos porto-alegrenses: o trem diminuiu as distâncias; os navios a vapor eram mais seguros e rápidos; o telefone aproximou as pessoas, assim como o telégrafo. A eletricidade trouxe rapidez nos transportes (bonde) e iluminou as ruas e as moradias, trazendo conforto e segurança. De acordo com o relato, em 1905, do viajante Vittorio Buccelli em Transformações Urbanas: Porto Alegre de Montaury a Loureiro. Catálogo / Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo, p.25:
“A iluminação é boa e digna de uma cidade europeia e é feita de todos os sistemas: a gás, a lâmpadas elétricas e a acetileno”.
No cotidiano da cidade, o cinema (1896) o automóvel (1906) e o bonde elétrico (1908) se constituíram em novidades que instigaram a curiosidade e o fascínio dos porto-alegrenses, ao final do século 19, e durante o primeiro decênio do século 20. No ano de 1900, o censo populacional registrou uma população de 73.474 habitantes na capital gaúcha.
No campo da Educação, durante os primeiros anos do século 20, surgiram tradicionais estabelecimentos de ensino, como Sevigné (1900), Rosário (1904), Bom Conselho (1905), Nossa Senhora das Dores (1908) e Parobé (1906). Este último se tornou famoso por seu perfil técnico e profissionalizante. Criada de acordo com a doutrina positivista, inspirada em Augusto Comte (1798-1857), no governo Borges de Medeiros, a Escola Parobé visava a preparar e a inserir os jovens oriundos de famílias de baixa renda no mercado de trabalho. Já no campo da educação superior, fundaram-se as primeiras faculdades: Engenharia (1896), Medicina (1898) e Direito (1900), dando início à vida acadêmica em Porto Alegre.
Diante do vertiginoso progresso, principalmente, quanto à criação de indústrias e estabelecimentos comerciais, o operariado gaúcho começou a organizar-se politicamente, enquanto classe, buscando melhores condições de vida. O anarquismo e o socialismo, por meio da pregação ideológica, disputavam, entre si, a liderança nas lutas sociais para construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Propagador das ideias marxistas entre os operários locais e criador do jornal socialista “A Democracia” (1905). Francisco Xavier da Costa (1871-1934) foi primeiro negro vereador na Câmara da cidade e liderou, com Carlos Cavaco (1878-1961), a primeira greve geral do Estado, em 1906, e fundou a Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS) no mesmo período.
Contando com mais de 5000 operários, a paralisação durou 21 dias e reivindicava a jornada de oito horas com melhores condições de trabalho. Conforme o pesquisador João Batista Marçal, a figura de Francisco Xavier da Costa se tornou pioneira na difusão do socialismo nos pampas, quando, em 1897, fundou o Partido Socialista Rio-grandense.
Transcorria o ano de 1908, quando chegou a Porto Alegre o arquiteto alemão Theo Wiederspahn (1878-1952) num momento que a economia crescia e nosso Estado era considerado o terceiro mais importante do Brasil. Com o apoio das classes dominantes, Theo Wiederspahn (1878-1952) foi o responsável por inúmeras construções que modificaram a urbe. De 1908 a 1930, ele apresentou 554 projetos documentados, entre os quais o prédio, hoje, ocupado pelo Museu de Arte Ado Malagoli (MARGS), e o prédio onde se encontra instalada, desde 1983, a Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ). No ano de 1909, chegou a Porto Alegre, vindo da França, o arquiteto, Maurice Gras, que assinou o contrato para a construção do Palácio Piratini.
No dia 12 de outubro de 1909, ocorreu um marco de modernidade, em Porto Alegre. O fato aconteceu no antigo Prado do Menino Deus, quando o primeiro avião em Porto Alegre fez um pouso e, depois, uma decolagem. No tradicional bairro Menino Deus havia teatro e hipódromo. Considerado um comportamento elegante, o porto-alegrense tinha o hábito de passear aos domingos, utilizando como transporte o bonde elétrico. Lá chegando, no Menino Deus, bebia um refresco, cumprimentava os conhecidos e retornava ao centro.
Em 1910, transcorria o mês de maio quando um fato atraiu a atenção dos porto-alegrenses: ao olharem para o céu, observaram o cometa Halley em sua trajetória, trazendo medo às mentes mais incautas e ingênuas quanto a um possível “fim do mundo”. No “Ano do Cometa”, quem governava o Rio Grande do Sul era o médico e político Carlos Barbosa Gonçalves (1851-1933), que foi responsável por importantes obras, como o Palácio Piratini, Instituto de Belas Artes e o monumento positivista, que exalta o líder Julio Prates de Castilhos (1860-1903) e a propaganda republicana.
Ao encerrar o primeiro decênio do século 20, foi criada a Escola de Agronomia e Veterinária, e o Censo Municipal indicava que Porto Alegre tinha 120.227 habitantes, contando com 2.294 casas de comércio, 154 fábricas e 149 oficinas.
O cotidiano da nossa cidade, desde o surgimento do primeiro jornal “O Diário de Porto Alegre”, em 1º de junho de 1827, está impresso nas páginas de diversos periódicos que o sucederam, fazendo parte da história da nossa Imprensa local. No livro “Tendências do Jornalismo”, do professor Francisco Rüdiger, encontra-se a informação de que, no início do século XX, havia 142 periódicos circulando no Estado.
Durante o Império e também no período republicano, circulavam em Porto Alegre jornais bastante representativos: o Jornal do Comércio (1865-1911), A Federação (1884-1937), A Reforma (1869-1912), Deutsche Zeitung (1861-1917) Correio do Povo (1895), A Gazetinha (1897-1900) Corymbo (1883- 1943), O Independente (1900-1923), Petit Journal (1898-1903), Stella d’ Itália (1902-1925), O Exemplo (1892-1930) – jornal de resistência e luta contra o racismo na capital – e a Gazeta do Comércio (1901 -1906), entre outros periódicos.
Segundo o historiador Sérgio da Costa Franco, no seu livro ”Gente e Espaços em Porto Alegre”, quando finalizou o século 19, o Jornal do Comércio disputava, com seu rival o Correio do Povo, o título de ser o periódico de maior tiragem e circulação no Rio Grande do Sul. O mais antigo jornal a circular, na capital, é o Correio do Povo, fundado pelo sergipano Caldas Júnior (1868-1913), em 1º/10/1895. No interior do Estado, a primazia é da Gazeta do Alegrete, fundada por Luiz de Freitas Valle, circulando desde 1º/10/1882.
Atualmente, há um consenso no campo da historiografia de que os registros jornalísticos de época são imprescindíveis a quem quiser dissecar a cidade em seus diferentes aspectos, pela diversidade de temas que os jornais abordam. O valor histórico da Imprensa, como fonte de pesquisa, foi defendido pelo sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) que introduziu, em seus estudos, a pesquisa em periódicos, visando a levantar dados acerca do contexto social e histórico da sociedade brasileira. O pioneirismo, dessa forma científica de trabalho, remete-nos à sua figura que registrou em seu livro ”O Escravo nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX” (1963) na p. 224 :
(…) ”mais do que nos livros de história, nos romances, a história do Brasil do séc. XIX está nos jornais”.
A antiga Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre, de origem açoriana, cresceu, desenvolveu-se e segue se reinventando neste mundo globalizado. Ao lermos o poema “O Mapa” de Mário Quintana (1906-1994), ficamos hipnotizados diante da forma onírica e apaixonada que o nosso poeta, nascido na cidade de Alegrete (RS), escreveu sobre a capital de todos os gaúchos.
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite é pesquisador Coordenador do setor de imprensa do Musecom *
Bibliografia
CONSTANTINO, Núncia Santoro de. A Conquista do Tempo Noturno: Porto Alegre "Moderna".Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. XX, n.2, p. 65-84, 1994.
FRANCO, Sérgio da Costa, ROZANO Mário (org.) Porto Alegre Ano a Ano/ Uma cronologia histórica 1732/ 1950. Porto Alegre: Letra & Vida, 2012.
----------------------- Gente e espaços de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.
------------------------ Porto Alegre / Guia Histórico. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1988.
FLORES, Hilda A. Hübner (org). RS / Século XX em retrospectiva. Porto Alegre: CIPEL, 2001.
GUIMARAENS Rafael. Rua da Praia / Um passeio no tempo. Porto Alegre: Libretos, 2010.
MARÇAL João Batista. A Imprensa Operária do Rio Grande do Sul. (1873-1974). Porto Alegre: [s.n.], 2004.