Paris declara guerra aos carros

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Por Carla Lencastre, compartilhado de Projeto Colabora – 

Prefeitura lança plano urbanístico para reduzir em 50% o número de automóveis na Avenida Champs-Élysées e de vagas ao ar livre

Projeção de como ficará a Champs-Élysées vista da Place de la Concorde: reforma deve terminar em 2030 | Divulgação/PCA Stream

Paris pretende viver um pós-pandemia mais verde e com menos carros e poluição. Ao menos é o que indicam dois ambiciosos projetos de urbanização anunciados recentemente pela Prefeitura, comandada por Anne Hidalgo, do Partido Socialista. Um deles, o mais vistoso, é quase uma reconstrução da famosa Avenida Champs-Élysées até 2030. O outro transforma em áreas verdes, até 2025, 74 mil vagas de estacionamento a céu aberto nas ruas da capital francesa.




Prefeita desde 2014, Anne Hildago foi reeleita em 2020 (o mandato tem duração de seis anos). Uma das promessas de campanha foi limitar a circulação de veículos particulares nas ruas da cidade e reduzir a poluição do ar. Dados de 2017 da Prefeitura mostram que Paris tem hoje 144 mil vagas de estacionamento ao ar livre (além de 720 mil lugares cobertos) e que o número de parisienses que tem carro está caindo: 34%, quando dez anos antes o percentual era de 41%.

No lugar de carros, Paris quer bicicletas e arte

Estacionamentos em ruas estreitas e residenciais serão os primeiros a serem eliminados. Moradores e trabalhadores da região terão prioridade nos espaços que restarem. As 4.400 vagas de rua reservadas para pessoas com mobilidade reduzida continuarão onde estão. O objetivo municipal é trocar estacionamentos por parques e jardins para diminuir a poluição atmosférica.

“Temos que ampliar as áreas verdes da cidade e nos adaptar a aceleração das mudanças climáticas”, disse o vice-prefeito David Belliard ao tradicional jornal britânico The Times. “Queremos que o ar seja mais respirável. E que as pessoas que moram em Paris, frequentemente em apartamentos apertados, tenham mais espaços públicos ao ar livre”.

No final de 2020, a Prefeitura abriu uma consulta pública pela internet para saber o que os parisienses gostariam de ter em dez metros quadrados (o espaço médio ocupado pela vaga para um carro) além de árvores e plantas. Entre as opções estão lugar fechado para guardar bicicletas, banheiros públicos, arte urbana, playground para crianças, bancos para pegar sol.

Champs-Élysées: um jardim para pedestres e ciclistas

Cortar pela metade o espaço para veículos individuais e tornar a rua mais amigável para pedestres e ciclistas também é o objetivo do ousado projeto de reconstrução da Champs-Élysées. Em janeiro de 2021 a Prefeitura anunciou sinal verde para o programa de € 250 milhões (cerca de R$ 1,7 bilhão) de investimentos públicos e privados que vai transformar os quase dois quilômetros da avenida mais famosa da cidade. Um dos principais cartões-postais de Paris, a Champs-Élysées é endereço de lojas com e sem grife, de concessionárias de automóveis de luxo, de bares, cafés e restaurantes procurados principalmente por turistas, de cinemas, de prédios de escritórios.

Um comitê formado por líderes comunitários e empresários faz campanha por modificações no desenho da avenida desde antes da pandemia. Depois de consulta pública, o plano agora aprovado foi apresentado no final de 2019. Ele inclui o redesenho das praças de La Concorde, numa ponta da Champs-Élysées, e d’Étoile, em torno do Arco do Triunfo, no outro extremo, área que hoje funciona principalmente como uma rotatória. A prioridade municipal é a Place de La Concorde, a maior de Paris. A prefeitura quer concluir a reforma da praça até as Olimpíadas de 2024. O restante do projeto é de longo prazo, para 2030, quando a avenida será principalmente uma via para pedestres.

Projeto é guiado por indicadores sustentáveis e inclusivos

O redesenho da Champs-Élysées é do escritório PCA Stream, do arquiteto Philippe Chiambaretta. Em uma entrevista ao jornal britânico The Guardian, antes da pandemia, ele apresentou o plano como “sustentável, desejável e inclusivo” e chamou a atenção para a quantidade de carros: “São cerca de três mil veículos por hora, e a avenida é mais poluída do que a Périphérique (via expressa em torno da área metropolitana da capital)”.

No programa as oito faixas para automóveis serão reduzidas para quatro e há diversos indicadores de sustentabilidade e inclusão. No tópico neutralização, captura e armazenamento de carbono, o número de árvores vai aumentar em 26%. Já 25% do material utilizado na reconstrução da Champs-Élysées será reciclado. A meta é diminuir em 48% as emissões de CO2 na hora do rush. O espaço de circulação para automóveis particulares será 52% menor do que o atual, e o número de vagas de estacionamento, 60% menor. As áreas para transporte compartilhado e bicicletas aumentam: 12% e 67% respectivamente.

Torre Eiffel pode ser o próximo cartão-postal a ficar mais verde

Bares e restaurantes da Champs-Élysées são conhecidos por, de um modo geral (há exceções), oferecem comida ruim a preço alto. Clássicas armadilhas para turistas que, na era pré-covid-19, representavam 68% dos pedestres na avenida segundo a plataforma de dados de mobilidade Mytraffic. O projeto de reconstrução não trata da qualidade da cozinha. Mas um dos indicadores econômicos é o preço médio de uma refeição nos novos jardins, que seria 77% menor do que nas áreas ao ar livres dos cafés atuais. Acesso à internet é mais um indicador de inclusão: a quantidade de pontos de Wi-Fi gratuito ao longo da via aumentaria em 533%.

Recentemente, a prefeita Anne Hidalgo disse que o projeto da Champs-Élysées é um de vários que vão “transformar a cidade”. O próximo pode ser reduzir a quantidade de carros em torno da Torre Eiffel e criar um parque para o principal cartão-postal de Paris.

O monumento mais famoso da capital francesa ocasionalmente é vítima da poluição do ar e fica encoberto pela névoa. Em 2020, quando foram suspensas na Europa as primeiras medidas restritivas de locomoção por causa da covid-19, a poluição atmosférica voltou às capitais. Paris apresentou o maior efeito rebote, segundo estudo do Centro de Pesquisa de Energia e Ar Limpo (Crea, na sigla em inglês) feito em junho de 2020. O aumento da poluição foi de 120% em comparação com os 30 dias menos poluídos do período de lockdown.

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