Pesquisa do Dieese mostra que empresas preferem empregar trabalhadores de outras regiões para que tenham disponibilidade para horas extras. Salários são baixos e precarizados, diz dirigente da Frune
Por Rosely Rocha, compartilhado de CUT
Edson Rimonatto (Rima)
As mazelas da instalação de energia renovável no Brasil, que vão desde a destruição do meio ambiente no Nordeste, o adoecimento de agricultores, a destruição de plantações e mortes de animais, denunciadas por diversas entidades e sindicatos na série de reportagem do Portal da CUT sobre os parques eólicos e solares, tem também mais um componente negativo sob o ponto de vista do trabalho, que é a precarização dos trabalhadores e trabalhadoras contratadas, muito vezes terceirizados, contratados pelas empresas que atuam no setor. É o que contamos nesta quinta reportagem sobre a instalação de parques eólicos no Nordeste.
Em média essas empresas chegam a contratar para a construção de cada parque de 4 mil a 5 mil trabalhadores, dependendo da área ocupada. No entanto, após esse período, para a manutenção e operação desses equipamentos são necessários de 10 a 40 trabalhadores, o que derruba em boa parte o discurso de que os parques de energia renováveis são indutores de emprego e renda nas cidades que ocupam.
Uma pesquisa feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), feita a partir de uma demanda do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em função do boom dos parques eólicos e solares na região, mapeou as condições de trabalho, inclusive salariais, mostrando que a precarização e a baixa remuneração são práticas comuns dessas empresas.
A economista do Dieese e técnica do Observatório do Trabalho da Bahia, Ludmila Giuli Pedroso, uma das coordenadoras da pesquisa, diz que a primeira análise estava relacionada somente à geração, transmissão e distribuição de energia, a partir da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), nas localidades identificadas pelas informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No entanto, numa segunda etapa entendeu-se que havia a necessidade de complementar essas observações com entrevistas com movimentos sindicais, trabalhadores, representantes do próprio governo e com empresários para entender um pouco mais a dinâmica das contratações.
“Na etapa de construção e instalação dos empreendimentos há um grande volume de emprego porque as empresas precisam de mão de obra, principalmente de construção civil pesada, como pedreiros e serventes, mas isso não significa que os trabalhadores dos municípios em que os parques serão instalados sejam contemplados com as vagas”, conta Ludmila.
Segundo a economista, as empresas preferem contratar trabalhadores de outras regiões para que fiquem mais tempo trabalhando. Até existem conversas entre as prefeituras e as empresas com termos de cooperação de preferência pela mão de obra local, mas as empresas privadas que preferem captar mão de obra de outra localidade do que do próprio município, que na maioria tem em torno de 15 mil a 20 mil habitantes.
“É a lógica do controle de tempo da jornada, apesar do custo de se manter em alojamentos os trabalhadores de outras regiões. Se um trabalhador está mais distante da localidade da família, ele tem mais disponibilidade para fazer horas extras, inclusive, aos finais de semana, mesmo que seja para um emprego temporário como nas etapas de construção e implantação. É uma lógica do capital”, analisa Ludmila.
Outro ponto de precarização é sentido depois da reforma Trabalhista de 2017, que acabou com as horas in itinere, que é o período que o trabalhador fica no caminho até o local de trabalho, critica Júlia Margarida de Andrade do Espírito, secretária de Energia da Federação Regional dos Urbanitários do Nordeste (Frune) e secretária de Geradoras e Terceirizados do Sinergia Bahia.
“ A distância entre a entrada do parque de energia até a sede do trabalho em alguns locais chega a 80 km. É mais de uma hora do trabalhador à disposição da empresa e ele não recebe por isso. Tem trabalhador que chega a ficar de 10 a 14 horas por dia a serviço da empresa. Eles saem às cinco da manhã e retornam às oito da noite, por causa do tempo de deslocamento”, conta Júlia.
Acordos e salários
A dirigente sindical diz que a distância entre os parques isola esses trabalhadores e, que por isso são poucas as empresas que fazem Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) que ofereçam melhores remuneração e condições de trabalho.
Na Bahia são 400 parques mantidos por 111 empesas, mas há apenas 11 acordos firmados entre os sindicatos e essas empresas, o que dá em torno de 400 trabalhadores seguros pelos acordos coletivos.
“Nós mapeamos mais 10 que estaremos fazendo contrato agora, mas quando mapeamos têm duas terceirizadas que prestam serviços para esses parques, o que dificulta negociações”, diz Júlia Margarida.
A previsão é que sejam instalados mil parques na Bahia. A construção é normalmente financiada por fundos de investimentos e quem cuida das contratações são escritórios de advocacia.
“A maioria das empresas que atua são terceirizadas. A gente tem acordo coletivo com algumas delas e outras que estão chegando, mas a gente vê que no quadro próprio tem 10 pessoas ligadas a ‘empresa mãe’, mas tem empresa 50 terceirizados. Há um forte crescimento da terceirização nos parques eólicos e parque solar mais ainda”, alerta Júlia.
Segundo ela, os trabalhadores com vínculo empregatício na geração de energia têm uma melhor remuneração, com jornada de até 40 h semanais e a relação trabalhista também é melhor. Mas, no processo de transmissão e distribuição de energia existe uma mudança com faixas salarias mais baixas.
Outro problema em relação às terceirizadas é o reaproveitamento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
“O reaproveitamento de EPIs pelas empresas terceirizadas e a alta rotatividade da mão de obra, podem gerar riscos à segurança desses trabalhadores”, conta Júlia Margarida.
Regulamentação
A economista do Dieese, Ludmila Pedroso, aponta como uma necessidade urgente para dirimir as questões trabalhistas e todas as demais que atingem a população desses locais a implementação de um marco regulatório.
“Uma regulação quanto a construção de torres é muito necessária. O Nordeste está sendo a grande taboa de salvação pra novos investimentos. No entanto, estão esquecendo que o semiárido é muito povoado e estão passando por cima desses aspectos sociais da população. Há um consenso de que é preciso investir em energia renováveis, mas o modelo que está sendo implantado precisa ser discutido”, conclui Ludmila.
Leia mais – Parte 1 – Empresas transnacionais violam direitos humanos e tomam terras para instalar eólicas
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