Pasqualim do MST: execução anunciada por WhatsApp

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Por Marcelo Euler, compartilhado de seu Blog – 

Enio Pasqualim pediu para não ser executado na frente de familiares. (Foto: reprodução)

Foi execução. Anunciada pelo WhatsApp. Os pistoleiros atiraram tão logo Ênio Pasqualim, 48 anos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), chegou à frente de sua casa atraído pelos latidos dos cachorros que a presença de estranhos provocou. Foi por volta de 20H00 do sábado (24/10). Mesmo atingido no braço, ele voltou para o interior da casa e “chaveou a porta”. Uma tentativa de impedir a invasão. Não conseguiu. A porta foi derrubada.




Só não foi morto na frente dos familiares por ter implorado: “Gurizada, vamos parar com isso! Pra que fazer isso aqui? Piazada, não faça isso!” Provavelmente na certeza da impunidade, um dos três nem o rosto escondia. Dois vestiam tocas ninja. Ainda assim, teriam sido reconhecidos. Segundo quem conhece a história do assentamento Ireno Alves dos Santos, em Rio Bonito de Iguaçu, região central do Paraná, são invasores da área. Um deles, dizem, egresso de um presídio.

Os pistoleiros, que chegaram a pé, deixaram a casa com o líder do MST na camionete S10, cor grafite escuro, placa BBE 8493, de propriedade de Gilson de Oliveira, genro de Pasqualim. Levaram celulares e alguns pertences, mas não estavam ali para assaltar. Certamente quiseram cortar a comunicação dos familiares e, provavelmente, evitar deixar a prova das ameaças recebidas pela vítima, durante a semana, através do seu WhatsApp.

Ameaças que Pasqualim revelou a familiares ao alertá-los: “se acontecer alguma coisa comigo, a polícia sabe quem é”, como disse ao Blog fonte ligada ao MST. Mas as ameaças não foram reveladas aos companheiros do movimento. Nem a Hamilton Serighelli, ex-assessor especial para assuntos fundiários do Paraná, na gestão de Beto Richa. Aposentado, Serighelli milita no Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Foz do Iguaçu.

Na manhã do sábado em que Pasqualim foi levado de casa, eles conversaram por telefone. O líder do MST estava na comunidade de Guajuvira, onde um acampamento de ocupantes do MST se transforma em assentamento. Fazia campanha para Sezar Augusto Bovino (PDT), candidato à prefeitura da cidade. Não fez menção às ameaças que a sua esposa, depois do assassinato, admitiu a Serighelli que ele recebera nos últimos dias, por meio do WhatsApp.

Um assentamento histórico

Levado de casa no sábado à noite, Pasqualim foi encontrado na manhã de domingo, morto, caído às margens de uma estrada vicinal de Rio Bonito de Iguaçu, a 12 quilômetros de distância do assentamento Ireno Alves dos Santos, nome de um militante do MST que perdeu a vida em acidente de carro. A camionete S-10 foi achada depois, em Mangueirinha, município distante 120 quilômetros de onde ela foi roubada na noite anterior.

O corpo foi achado a 12 quilometros do assentamento; o carro há 120 quilômetros (Foto: reprodução redes sociais)

Pasqualim e seus familiares – uma das filhas ainda pequena -, estavam entre as 12 mil famílias que em 17 de abril de 1996 fizeram a primeira ocupação no então maior latifúndio do sul do país. Pertencia à Giacomet Marodin, atual madeireira Araupel. Foi no mesmo dia de outro marco histórico dos trabalhadores sem-terra: o assassinato, pela polícia militar do Pará, de 21 militantes do movimento. Passou à história como o “Massacre de Eldorado dos Carajás”. Os dois fatos – a ocupação vitoriosa no Paraná e a tragédia ocorrida no sul do Pará – transformaram o 17 de abril em Dia Nacional da Luta por Reforma Agrária.

A ocupação no Paraná mereceu registro histórico do fotógrafo internacionalmente conhecido Sebastião Salgado. A partir daquele movimento, surgiu o Assentamento Ireno Alves dos Santos, legalizado por decreto de janeiro de 1997. Abriga 972 famílias em uma área de 16.852 hectares. Na mesma época houve a ocupação, em terreno contíguo, do hoje Assentamento Marcos Freire, formado por 578 famílias em área de 9.400 hectares. O decreto que o regularizou só foi assinado em agosto de 1998.

As terras desse enorme latifúndio se estendiam por cinco municípios: Quedas do Iguaçu (onde ficava a sede), Rio Bonito de Iguaçu, Espigão Alto do Iguaçu, Três Barras e Nova Laranjeiras. Eram resultantes de grilagem e, por isso, os títulos de propriedade, ao longo dos anos, foram anulados pela Justiça Federal em dupla jurisdição. Com isso, pouco a pouco surgiu na região o maior complexo da Reforma Agrária da América Latina. Ainda assim, há terreno da Araupel sendo disputado judicialmente por militantes acampados do MST.

Ocupação do latifúndio da Giacomet Marodin, em abril de 1996 (Foto: Sebastião Salgado)

Conflitos por conta da madeira

A ocupação no Paraná gerou inúmeros conflitos, inclusive com pistoleiros, que as lideranças do movimento acusam a madeireira de ter contratado. Em 16 de janeiro de 1997, por exemplo, ocorreu os assassinatos de Vanderlei das Neves (16 anos) e José Alves dos Santos (34 anos). Foram vítimas de uma emboscada na Fazenda Pinhal Ralo, na cidade de Rio Bonito do Iguaçu (PR). Ocorreu no mesmo dia em que o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o decreto regularizando o assentamento Ireno Alves dos Santos.

Em dezembro de 2010, um Tribunal do Júri, em Laranjeiras do Sul, absolveu Antoninho Valdecir Somensi e Jorge Dobeski da Silva. Eram acusados pelos dois assassinatos em 1997. Os jurados populares aceitaram a tese da defesa de que o reconhecimento não seria possível dada a distância de 44 metros que as testemunhas se encontravam.

Em 07 de abril de 2016, também em emboscada, no Acampamento Dom Tomas Balduíno, em Quedas do Iguaçu, foram executados Vilmar Bordim e Leomar Orback. Foram disparados mais de 120 tiros por seguranças particulares e policiais militares, ferindo entre 20 e 30 pessoas. Um julgamento, com policiais militares entre os réus, acabou anulado em segunda instância.

Apesar de todas estas ocorrências ao longo de quase duas décadas e meia, nos últimos anos, graças a um entendimento entre a Araupel e os assentados, o clima está ameno. Há um acordo judicial que permite à madeireira retirar suas árvores do terreno no qual, aos poucos, os assentados plantam suas produções.

Receio do retorno da violência

O assentamento, porém, é alvo de invasores que tentam ocupar terras na região, sem autorização da coordenação do movimento. Normalmente buscam as chamadas “reservas florestais” que os assentados mantêm de pé. Vão de olho na madeira, comercializada para terceiros. São, às vezes, até descendentes de assentados.

Formam quadrilhas que não se limitam à exploração ilegal da madeira. Também praticam roubo de cargas, de caminhões e de carros. Em especial nas duas principais rodovias federais no entorno de Rio Bonito de Iguaçu. A BR 158. que liga Redenção (PA) à fronteira com o Uruguai, atravessando grande parte do município; e a BR 277 que vai do porto de Paranaguá à ponte da Amizade em Foz do Iguaçu, passando por Laranjeiras do Sul, cidade vizinha a Rio Bonito de Iguaçu.

Lideranças do MST, tais como Pasqualim, se opõem a estes invasores, há tempos. Lutam contra eles. Trata-se, no entendimento de fontes do Blog, da principal linha de investigação que a polícia deveria seguir para elucidar o assassinato deste final de semana.

Provavelmente estas suspeitas poderão ser corroboradas pelas ameaças que o militante vinha recebendo através do WhatsApp. Ninguém, porém, soube garantir que realmente ele tenha levado ao conhecimento da polícia, como falou em casa. A se confirmarem tais ameaças, seu assassinato será mais uma morte anunciada de liderança camponesa. Desta vez, anunciada por aplicativo de celular.

A par de tudo isso, lideranças do MST receiam que o assassinato de Pasqualim desencadeie uma nova onda de violência na região. Entendem, como mostra a mensagem encaminhada ao Blog por uma das nossas fontes (leia na ilustração), que latifundiários podem se juntar aos conhecidos delinquentes para reiniciar os ataques aos lavradores assentados e, principalmente, aos dos acampamentos, que não se tornaram assentamentos por conta da paralisação dos programas de reforma agrária no país. Ameaça que não se pode menosprezar em uma época que a intransigência e a intolerância são disseminadas pelo próprio governo.

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