Paulo Vaz, Pedro HMC, Vyni e um apelo aos LGBT+: precisamos parar de nos odiar

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Em artigo, jornalista Yuri Fernandes reflete sobre onda de ódio e transfobia dentro da própria comunidade, gerada principalmente por homens cis gays, e como acolhimento é pauta urgente.

Por Yuri Fernandes, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Paulo Vaz, Vyni e Pedro HMC: acolhimento é urgente. (Arte: Dan Torres)

A segunda-feira, 14, demorou a terminar para a população LGBT+. A perda precoce do ativista trans Paulo Vaz, de 36 anos, deixou angustiantes nós em nossos corações e também questionamentos sobre qual comunidade estamos construindo. A causa da morte não foi divulgada. Mas é de conhecimento a onda de transfobia da qual ele foi vítima no dia anterior pelas redes sociais. E aqui não cabe a mim explicar a origem ou replicar tais comentários. Mas, sim, enfatizar que eles vieram na grande parte de homens cis gays. Infelizmente. 

Enquanto utilizamos a bandeira para nos proteger do mundo opressor, embaixo do tecido travamos outras batalhas, uns contra os outros. Durante esses cinco anos cobrindo pautas de diversidade, evitei dar destaque para esse preconceito. 

Mas diante dos últimos fatos, é urgente falar sobre. Não adianta cobrar e esperar mudança da sociedade se na nossa própria casa não existe respeito, acolhimento e empatia. Qual exemplo queremos ser ou dar quando usamos piadas para ofender um homem trans? E brincadeiras para desmoralizar mulheres trans e travestis? 

Não é por sermos LGBT+ que temos passe livre para a transfobia. 

Quando nós, homens cis gays, vamos reconhecer nossos privilégios dentro da sigla e usá-los a favor dos nossos que estão gritando socorro? Literalmente. 

Estima-se que 42% da população trans já tentou suicídio contra 4,6% da população em geral. E 85,7% dos homens trans já pensaram ou tentaram cometer o ato.

Enquanto muitos gays lutam pelo direito de amar, pessoas trans lutam para sobreviver. O amor, muitas vezes, nem está em pauta. É preciso descer do salto e olhar para a base da nossa pirâmide social: para os mais velhos que chamamos de mariconas; para os mais pobres; para as pessoas pretas; para as mulheres lésbicas; para as travestis e trans – estando elas nas ruas se prostituindo para comer ou nas faculdades à espera de um diploma que não será suficiente para amenizar o preconceito.

Gays sofrem. Todos os dias. A homofobia mata. A transfobia também mata. E humilha mesmo após a morte, com requintes de crueldade. Em lugares públicos, de dia ou à noite.  E não se trata aqui de comparar os dois crimes e, sim, de olhar para as estatísticas, para os noticiários. E para as vidas que se foram ou que deixamos ir. 

Vidas como a de Paulo, que mesmo com uma grande rede de apoio, se tornou difícil de suportar. A maioria das pessoas trans nem suporte tem. São expulsas de casa, da escola, do mercado de trabalho e até do seu – do seu mesmo – ciclo de amigos. E só falo com essa certeza porque já entrevistei muitas. De jovens a idosas: a história se repete. 

Que tal ouvi-las também?   

Alina Durso pediu: Por favor, acolham as travestis e pessoas trans do seu ciclo, podem ter certeza que elas precisam de você.
John Mesquita suplicou: precisamos construir um mundo onde pessoas trans queiram viver.
Caê Vasconcelos desabafou: a transfobia nos mata, nos executa, nos adoece, nos suicida.
Giovanna Heliodoro alertou: a internet nunca foi um ambiente seguro para pessoas trans. Nossa saúde mental sempre foi alvo do ódio, da dor e da transfobia de vocês pessoas cis.
Luca Scarpelli acordou exausto: remar contra a maré cansa, dói e tem se mostrado um trabalho sem fim e ineficaz.

Tantas outras pessoas trans choraram e lamentaram não só ontem. O que a gente está esperando?

Falta de espontaneidade

E por que o Vyni, do BBB22, no título do artigo? Vou responder usando um post do Pedro HMC, marido de Paulo Vaz que deveria ser abraçado de todas as formas possíveis. Mas também enfrenta o ódio gratuito nas redes sociais. Ele traduziu um tuíte do ativista Alexander Leon que viralizou. 

Alexander Leon
Reprodução: Põe na Roda

“Pessoas LGBT+ não crescem sendo elas mesmas. Crescem sacrificando e limitando suas espontaneidades para minimizar humilhações e preconceitos. Nosso maior desafio da vida adulta é escolher quais partes de nós são o que somos de verdade e quais criamos para nos proteger do mundo.” 

Difícil achar algum LGBT+ que não se identificasse. Mas quando temos um exemplo ao vivo 24 horas por dia dessa limitação da espontaneidade que nos é imposta, não só nos afastamos, como detestamos. Falta de espontaneidade essa que esteve no discurso de Tadeu Schmidt na eliminação de Vyni nesta terça-feira, 15.

Nessa mesma pirâmide que já citei, Vyni também está na parte debaixo: é pobre, negro, afeminado e está longe do padrões de beleza impostos pela nossa própria comunidade – e acreditem: é ainda mais cruel do que a da sociedade como um todo. 

Então o que resta para Vyni? O humor! Seja bom ou ruim, mas é onde ele encontra refúgio. “Mas não é natural!”. Mas é a arma que ele tem para não abaixar a cabeça, para superar os traumas e para ser aceito. Assim como você também criou ou deixou de lado algo. 

Afinal, somos essas pessoas animadas mesmo o tempo todo ou nos fazemos assim para sermos benquistos pelos olhares heteronormativos? 

Soa ‘engraçado’ quando ele diz que está solteiro há 23 anos por opção dos outros. Condenam, ridicularizam e riem da relação do Vyni com Eliezer. Com essa mesma força, vocês se questionam que talvez o Vyni nunca tenha sido amado de fato por um homem?

Também não somos carentes? Também não buscamos o amor das pessoas? E por que é tão difícil dar o nosso? 

Vyni vai precisar de apoio aqui fora. Os administradores já haviam alertado para a quantidade expressiva de ataques homofóbicos que ele vinha sofrendo nas redes. Comentários chegaram a ser bloqueados. Será que é só mesmo pelo jogo? Como foi dito em um pronunciamento da equipe, “todos têm direito de gostar ou não dele, mas homofobia é crime”. E pode punir inclusive nós, gays.  

Que o Brasil o receba de braços abertos.
Que Paulo descanse depois de 36 anos de batalhas diárias.
Que a comunidade LGBT+ não deixe as suas questões de autoestima e de rejeição afetarem os dupla ou triplamente vulneráveis.
Que a saúde mental não seja só um conteúdo de post compartilhado no Instagram.
Cuide muito bem da sua e, se não puder ajudar, não prejudique a do outro. 

*Chegou até aqui e está precisando de ajuda? O Acolhe LGBT+ é uma plataforma que conecta pessoas LGBT+ que precisam de acolhimento psicológico com profissionais que topem ajudá-las de forma voluntária. Clique para acessar.  

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