Pedras que caem do céu

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Por Ulisses Capozzoli, um jornalista que olha pra cima

Toda vez que um meteoro mais intenso ilumina o céu a confusão recomeça e, desta vez, não foi diferente. Na sexta-feira (14/01) moradores nas confluências dos estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo, observaram um risco de luz que terminou num flash mais intenso marcar o céu como um fósforo riscado contra a escuridão noturna. Um meteoro, um meteorito, um meteoroide, um asteroide, uma estrela cadente? Que diabos foi isso?




Para boa parte das pessoas tanto faz. Mas isso é um engano e, para a compreensão clara desse fenômeno, é necessário ser minimamente preciso. A “Folha de S. Paulo”, com seu pedantismo histórico, incluindo a pretensão de precisão que já a levou a citar o nome de uma pessoa, seguida da idade, como se fosse algo relevante e não puro pedantismo, trouxe no domingo um precioso reforço à essa confusão.

Num texto curto, acompanhado de imagem, descreveu que pessoas nas cidades fronteiriças dos três estados, “registraram a queda de um meteoro na noite de sexta-feira”.

Na verdade, as pessoas observaram um meteoro, o risco luminoso. A queda, a que se refere a Folha, foi de um meteoroide, um corpo que pode ser, por exemplo, lixo espacial. Uma ferramenta perdida por um astronauta em órbita, restos de um foguete ou um satélite explodido em experimentos militares com programas como “Guerra nas Estrelas” deflagrado pelo ator de faroestes de segunda categoria, Ronald Reagan quando foi presidente dos Estados Unidos.

Pode ser também, e isso costuma ser mais frequente, entulho, isso mesmo entulho, ou seja sobra de material da formação do Sistema Solar há uns cinco bilhões de anos, quando o Sol entrou em ignição nuclear.

Então, numa sequência: meteoro é o risco luminoso deixado por um objeto originário do espaço que entrou em atrito com a atmosfera, ou seja, um meteoroide. Se resistir ao atrito com a atmosfera e pousar na superfície da Terra, será um meteorito e existe uma enorme variedade de meteoritos dependendo de sua composição, que pode ser, por exemplo, metálica (ferro) ou rochosa.

Dizer, como disse a “Folha” “a queda de um meteoro” não faz sentido. Até porque o meteoroide pode ser consumido na atmosfera com os gases atmosférico e se esfacelar completamente, virar poeira em suspensão na atmosfera.

Ah! Sim, o jornal também se refere a uma “explosão” e isso pode ser entendido como resultado do choque de um corpo com a superfície da Terra.

Na verdade, o mais provável é que tenha ocorrido (dependendo da massa e composição do corpo) uma onda de choque, como acontece no caso de um jato que rompe a barreira da velocidade do som. E não necessariamente que tenha havido um choque do corpo invasivo com a superfície da Terra.

No caso de uma onda de choque não há razão para buscar restos do corpo na superfície, espalhados ou formando uma pequena cratera (dependendo da natureza do corpo, claro).

Como resultado dessa confusão toda, o que as pessoas querem dizer com a expressão “que venha o meteoro”, com a intenção de se referir ao bólido cósmico que pôs fim ao longo reinado dos dinossauros há uns 65 milhões de anos e abriu espaço para o florescimento dos mamíferos?

O bólido que liquidou os dinossauros é algo bem diferente de um meteorito. É um corpo muito maior (supostamente uma montanha de 10 km de diâmetro aproximadamente), referido como asteroide.

Portanto, uma diferença abissal entre um meteorito e um asteroide. Esse segundo corpo, liberando uma brutal quantidade de energia (cinética, transformada em calor) atuando como uma potentíssima bomba atômica que mandou para o espaço parte da atmosfera, espalhou um incêndio planetário, produziu maremotos e fez subir uma coluna de poeira e vapor d’água que tornou o céu opaco por um longo período de tempo.

Assim, sem iluminação solar os dinossauros herbívoros ficaram sem alimentos e com a morte de dinossauros herbívoros, os carnívoros, como o assustador tiranossauro rex, não tiveram do que se alimentar. Na realidade, essa situação pode ter sido um pouco mais complexa. Por essa época teriam começado a aparecer as árvores com flores, comuns na Terra contemporânea, mas que emergiram há pouco mais de 65 milhões de anos.

Há quem diga, no meio científico, que as árvores com flores consumidas pelos dinossauros sempre famintos podem ter provocado neles problemas digestivos que estariam na base de um declínio dos herbívoros, ameaçando, em seguida os carnívoros e completado pelo bólido que chegou do espaço.

Se você estiver interessado em observar o registro do bombardeio de entulhos da formação do Sistema Solar use um pequeno telescópio e vasculhe a superfície da Lua. Ela está marcada, como se fossem sinais de uma catapora cósmica, por crateras de todos os diâmetros.

O bombardeio de montanhas errantes e rochas de menor parte foi muito intenso no jovem sistema solar e, ao longo de bilhões de anos se acalmou. Mas não terminou.

A superfície da Terra tem marcas desse tipo, caso da Cratera Meteoro, no deserto do Arizona, nos Estados Unidos, ou mesmo de um poço soterrado, em Parelheiros, ao sul da cidade de São Paulo, com idade estimada em 5 milhões de anos.

No caso da Lua, uma conclusão que se pode tirar é que, se ela não existisse, poderíamos não estar aqui, por muitas e diferentes razões, das quais pode-se citar pelo menos duas. A primeira é que a Lua atua como uma espécie de âncora para estabilidade orbital da Terra. A segunda é que aparou boa parte dos bólidos que, vindos do espaço profundo, eventualmente de outros sistemas solares, teriam nos atingido como o corpo que liquidou os grandes lagartos do passado.

A confusão com pedras que caem do céu, no entanto, é antiga e envolveu nomes famosos do mundo científico. Um deles é o químico francês Antoine Lavoisier (1743-1794) considerado o “Pai da Química Moderna”. Para Lavoisier, pedras que caem do céu eram produtos da ignorância humana. Em consequência disso, uma preciosa coleção de meteoritos, propriedade da Casa Real da Áustria, foi retirada dos museus, sob suspeição de farsa grosseira quando, o que de fato aconteceu, foi apenas um ato de arrogância do químico que terminou (por outras razões) com o pescoço decepado pela guilhotina.

Faz muito tempo isso mas, desde então, parece que quase nada mudou. Ah! Sim. Uma estrela cadente não é outra coisa senão um meteoroide que penetra a atmosfera e deixa o risco luminoso do meteoro.

O corpo, neste caso, é quase sempre do porte de um grão de arroz ou de milho. Se for um pouco maior, pode soar com o roçado produzido pelas asas de um morcego em voo e, ainda maior, o silvo de um projétil, como uma bala de canhão.

Foto: Imagens de meteoros observados na divisa de Minas Gerais, Goiás e São Paulo, na sexta-feira passada.

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