Por Felipe Migliani, compartilhado de seu Blog –
A juventude costuma ser uma fase de descobertas. Foi assim para Pedro Henrique, que através do rock e do movimento estudantil teve acesso as fanzines e se tornou grande fã dessa manifestação artística. Porém, ele não imaginava que anos mais tarde se tornaria um dos maiores produtores de zines do Rio de Janeiro.
Os anos se passaram e Pedro se tornou professor de geografia para turmas do ensino médio II. E para despertar interesse nos estudantes pela disciplina, Paulo levou a cultura das zines para sala de aula e as utilizou como instrumento pedagógico. A iniciativa deu tão certo que o fez iniciar a produção de zines sobre temas referentes as suas aulas.
Tempos depois, Pedro criou o Deriva dos Livros Errantes, um projeto de ação direta de cultura e educação no território suburbano do Rio de Janeiro. A iniciativa foi inspirada nos movimentos “Occupy” e “Maio de 1968”, e em ideias de direito à cidade de Henri Lefebvre e de David Harvey.
O Deriva dos Livros Errantes produz zines sobre a cultura dos subúrbios e times de futebol. Paulo já escreveu sobre o Clube do Samba (referência à João Nogueira, sambista e apaixonado pelo Méier), o Churrasquinho de rua, o Bangu campeão Mundial de 1960, o Campo Grande campeão da Taça de Prata de 1982 e uma trilogia chamada Grande Méier FC, onde traz histórias de times de bairros que hoje estão no anonimato.
Em entrevista, Pedro Henrique fala de sua paixão pelo futebol e pela cultura suburbana. Conta sobre os novos projetos e lançamentos. Leia:
Pergunta: Como surgiu a sua paixão pelas fanzines e qual é a origem do nome Deriva dos Livros Errantes? O projeto é inspirado em algum movimento?
R: As fanzines apareceram na minha vida durante o ensino médio. As primeiras abordavam temas sobre a cena musical do rock e eram encontradas em lojas históricas do bairro do Méier, como a loja Outsider, do Eduardo. Depois, tive acesso a zines do movimento estudantil sobre temas diversos, como a luta pelo passe livre e pelas cotas universitárias. Aquele formato de publicação me chamou atenção. No entanto, só fui ser um produtor de zines durante a minha graduação, quando buscava fazer algo parecido no boletim informativo da Associação dos Geógrafos Brasileiros. Tempos depois, o trabalho se consolidou com a produção de zines na escola e na criação do Deriva dos Livros Errantes.
O Deriva dos Livros Errantes foi a concretização de um projeto com nome e sobrenome que já vinha sendo promovido por meio do cineclubismo, da produção de eventos, de ações de incentivo à leitura pelas ruas. O nome e o projeto tiveram forte inspiração nos movimentos que valorizavam estar na rua, como o movimento Occupy, o movimento de maio de 68 em Paris, de diversos coletivos culturais que ocupavam as praças públicas ao longo dos anos 2000 e 2010. Inspiramo-nos muito nas ideias de direito à cidade de Henri Lefebvre, de David Harvey e no pensamento situacionista de Raoul Vaneigem, Guy Debord e outros.
P: As primeiras fanzines foram produzidas com objetivo de ser um instrumento pedagógico em suas aulas de geografia para as turmas do Ensino Fundamental II. É uma prática comum na educação utilizar zines para despertar interesse nos estudantes e auxiliar no aprendizado? Pode me contar como funciona na prática?
R: Correto. Já tinha tido uma experiência parecida na AGB e influenciado por um amigo professor, comecei a utilizar as zines na sala de aula. Produzia zines com os estudantes sobre conteúdos trabalhados no currículo escolar. Depois, quando fui buscar mais conhecimento teórico e prático sobre as zines como instrumento pedagógico, descobri o mundo das zines na escola com várias experiências bacanas feitas por professores de história, de educação física, entre outras disciplinas. De forma objetiva, a zine como instrumento pedagógico comunicativo cria condições para um maior protagonismo do estudante na prática educativa quando ele mergulha na ideologia do “Faça Você mesmo”, lema do movimento “fanzineiro”.
P: Como morador do subúrbio, eu sou apaixonado pela cultura suburbana e do futebol de bairro. Tenho sua trilogia Grande Méier FC, na qual você escreveu sobre Engenho de Dentro Athletico Club, Metropolitano Athletico Club e Japohema Football Club. Qual é a importância de contara história dos times esportivos que existiam nos bairros suburbanos? Como você faz suas pesquisas?
R: Sou amante do futebol, mergulhado na cultura torcedora, não só dos meus times, mas do futebol como prática social em si. Gosto de curtir futebol, especialmente de ir nos estádios dos clubes de bairro. Porém, estamos vivendo um cenário muito preocupante com esses clubes. O futebol pós-moderno está destruindo progressivamente o futebol além dos clubes com maior apelo midiático. A elitização dos estádios, a marginalização das competições locais e o descaso administrativo com os clubes de bairro estão tornando cada vez mais difícil manter a alma “futeboleira” nos bairros suburbanos. Em razão disso, comecei a escrever zines sobre clubes ativos e inativos do subúrbio carioca para ajudar a manter viva a memória deles e chamar atenção para a importância deles nos bairros como lugar de encontro, de lazer, de entretenimento, de formação, de desenvolvimento local. Já não temos mais os campos de pelada pelas esquinas e ruas do subúrbio. A maioria abocanhados pelo mercado imobiliário dos condomínios exclusivos. Perder os clubes será uma pancada maior ainda.
“O futebol pós-moderno está destruindo progressivamente o futebol além dos clubes com maior apelo midiático. A elitização dos estádios, a marginalização das competições locais e o descaso administrativo com os clubes de bairro estão tornando cada vez mais difícil manter a alma “futeboleira” nos bairros suburbanos.”
As zines sobre futebol, ou FuteZINES, são publicações independentes feitas artesanalmente com base em pesquisas em arquivos históricos públicos, especialmente da imprensa. As informações e os dados são retirados da base da Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional e dos Arquivos locais. Além disso, buscamos complementar com informações encontradas em vídeos, sites, jornais e outros espaços da internet. Em alguns casos, buscamos informações e acervos fotográficos com pessoas que tiveram alguma ligação com as histórias contadas.
P: Recentemente, você lançou uma fanzine contando a história do Barrerinha Futebol e Regatas, um time da Ilha de Paquetá. O que te motivou a sair do Grande Méier e atravessar a Baía de Guanabara para escrever sobre um time que não é do subúrbio?
R: Ao lançar a fanzine sobre o Manufatura Nacional nas redes sociais, uma postagem na comunidade “Subúrbio Carioca”, no Facebook, mobilizou uma boa discussão entre a velha guarda futeboleira. Várias pessoas comentaram a postagem relembrando dos campeonatos locais de futebol e dos times amadores que existem ou existiam em vários bairros. Numa das postagens, uma pessoa escreveu algo assim: “Muito bom relembrar esses times, porém, o único campeão no Maracanã em dia de Santos do Pelé foi o Barreirinha.” Aquilo me mobilizou e despertou curiosidade. E caí dentro das pesquisas. Fiquei tão surpreso com a história que decidi fazer essa homenagem à Ilha de Paquetá, lugar que admiro muito. Para completar, o Jornal da Ilha tem um acervo muito bacana com reportagens sobre o futebol na Ilha. Não tinha como desperdiçar tanta riqueza de informações e histórias.
P: Além dos times de bairrovocê também já produziu fanzines sobre times considerados “pequenos” pela grande mídia. Já escreveu sobre o Bangu, campeão mundial em 1960, e do Campo Grande, campeão da Taça de Prata de 1982. De uns anos pra cá muitas pessoas estão discutindo, inclusive a grande mídia, sobre acabar com os campeonatos estaduais e regionais. Podemos afirmar que o desaparecimento desses times é resultado da globalização, que privilegia os times economicamente mais fortes dos grandes centros do país?
R: Primeiro, não são times pequenos. São times grandiosos, com histórias ricas, mas com baixo apelo midiático. Chamá-los de “pequenos”, apesar de entender a história do discurso, reforça exatamente o poder da globalização contra o futebol local. E você tem razão, a Globalização, como fenômeno social, político, econômico e cultural, vêm se consolidando como uma forte agressão contra a cultura torcedora dos clubes de bairro. Estamos caminhando para um funil futebolístico e cultural, no qual apenas alguns clubes terão o direito de sobreviver profissionalmente. Para todo torcedor ou torcedora com pensamento progressista, o futebol é uma verdade inconveniente em razão de ser uma prática social e cultural originária das elites. No entanto, ao longo do tempo, o esporte foi se popularizando e se diversificando socialmente. Se o povo não tem poder de decisão nos clubes, ele se apropriou do esporte de outras formas, especialmente como espaço e tempo de sociabilidade. Os clubes de bairro, os campos de pelada, os estádios são exemplos de espaços de sociabilidade do futebol. Quanto mais diversos e existentes, esses espaços serão privilegiados para o encontro com o outro, com o inesperado.
P: Além do futebol, você já publicou fanzines envolvendo outros temas da cultura suburbana como o churrasquinho de rua e o clube do samba, onde você abordou o subúrbio de João Nogueira. Quais são seus próximos projetos? Está trabalhando em algum atualmente?
R: A cultura fanzineira é frenética. Quando você mergulha nela, as ideias, os pensamentos pipocam. É preciso muita organização e tranquilidade para administrar as ideias e as expectativas. Eu tenho muitas ideias. Quero muito finalizar a coleção dos grandes campeões do subúrbio com a fanzine sobre o Olaria campeão brasileiro. As fanzines do Bangu e do Campo Grande tiveram muita aceitação. Creio que a zine do Olaria terá o mesmo sucesso. Quero continuar a coleção do subúrbio futeboleiro com as zines dos times extintos, com pesquisas sobre o Byron, do Zizinho; o Modesto de Quintino; o Vallim de Todos os Santos; entre outros. Quero muito continuar a coleção do Samba Zine Subúrbio, iniciada com o Clube do Samba e com pesquisas já iniciadas sobre o Granes Quilombo do Candeia e o Guimbaustrilho do Nei Lopes. São muitas ideias e desejos que precisam ser administrados e saírem do papel. No entanto, meu desejo atual é inspirar e ajudar outras pessoas a escreverem zines. Quero tornar o Deriva dos Livros Errantes como uma referência para tal atitude. Isso já teve início com a zine do Andarahy do Fábio Carvalho e do João Azevedo; com a zine do Cruz e Souza do Engenho de Histórias; com a zine sobre o 23 de abril, do Vitor Almeida. Veremos onde chegaremos.
“No entanto, meu desejo atual é inspirar e ajudar outras pessoas a escreverem zines. Quero tornar o Deriva dos Livros Errantes como uma referência para tal atitude.“
P: Qual dica você dá para as pessoas que querem começar a produzir fanzines e onde podemos adquirir e conhecer seu trabalho?
R: Ler zines é o movimento tradicional. Leiam histórias em quadrinhos, literatura de cordel, poesias, zines musicais, toda e qualquer tipo de publicação independente, feita de forma artesanal. Curta intensamente o acervo do site Marca da Fantasia (https://www.marcadefantasia.com/) com várias publicações gratuitas e à venda de diferentes autores e lugares. Leia livros sobre fanzines e fanzineiros. Busque informações em sites e canais de streaming. Tem muita gente boa produzindo coisas bacanas. Com relação ao meu trabalho, recomendo acompanhar as minhas redes sociais (https://linklist.bio/derivaerrante) e conferir uma loja virtual recentemente criada (https://sites.google.com/view/derivaerrante/). Coisa simples para ajudar quem procura. E estou sempre a disposição para papear, ajudar. Quer publicar uma zine e não sabe como, me procure nas redes sociais.
Chamo-me Felipe Migliani, sou pós-graduado em jornalismo investigativo e estou me especializando em marketing digital. Desde 2018, trabalho como jornalista e produtor de conteúdo na mídia independente, reportando e noticiando os subúrbios e as periferias da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Leia minhas matérias e fortaleça o jornalismo independente.