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Defensoria entra com ação para que IBGE inclua população de rua no próximo Censo

Estimativa feita pelo IPEA chegou ao alarmante número de 101.854 pessoas em situação de rua no Brasil. Foto Custódio Coimbra
Estimativa feita pelo IPEA chegou ao alarmante número de 101.854 pessoas em situação de rua no Brasil. Foto Custódio Coimbra

Daqui a dois anos, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vão bater na porta de milhões de brasileiros para coletar informações sobre quem e quantos somos, onde estamos e como vivemos. Parte da população pode, no entanto, continuar invisível não só diante dos recenseadores, mas também perante o poder público: os moradores de rua. Uma ação da Defensoria Pública da União busca na Justiça obrigar o IBGE a incluir na pesquisa esta parcela de brasileiros.

Esta distinção entre pessoas domiciliadas ou não que o Censo faz é um preconceito similar ao racismo. Pior, porque é escamoteado. Permite ao poder público dizer que não faz políticas para este segmento porque não sabe quantas pessoas precisam ser atendidas

Thales Treiger
Defensor Público

Segundo o próprio site do IBGE, “os censos populacionais produzem informações imprescindíveis para a definição de políticas públicas e a tomada de decisões de investimento, sejam eles provenientes da iniciativa privada ou de qualquer nível de governo”. A falta de dados precisos sobre os cidadãos vulneráveis, evidentemente, interfere diretamente na elaboração de programas sociais mais eficientes para essas pessoas. É o que argumentam na ação os defensores Thales Treiger e Renan Sotto Mayor:

— Esta distinção entre pessoas domiciliadas ou não que o Censo faz é um preconceito similar ao racismo. Pior, porque é escamoteado. Permite ao poder público dizer que não faz políticas para este segmento porque não sabe quantas pessoas precisam ser atendidas — afirma Trieguer.

O IBGE alega que não tem estrutura e nem expertise técnica para realizar uma pesquisa envolvendo a população de rua. Foto Custódio Coimbra
O IBGE alega que não tem estrutura e nem expertise técnica para realizar uma pesquisa envolvendo a população de rua. Foto Custódio Coimbra

Ele ressalta que o decreto presidencial 7.053, de 2009, já sinalizava a importância do mapeamento para que fossem tomadas medidas para essa fatia da população. O texto também previa a participação do IBGE e do Ipea na “Política Nacional para a População em Situação de Rua”:




— Mas isso não vem sendo feito. O IBGE diz que não tem estrutura e nem expertisetécnica para realizar uma pesquisa como esta. Se não tem metodologia, é preciso criar — completa Trieguer.

Entre as dificuldades, está, por exemplo, evitar que a mesma pessoa seja contada mais de uma vez, o que requer conhecimento mais detalhado da região por parte do pesquisador.

Em nível federal, o assunto passou do Ministério do Desenvolvimento Social para o Ministério dos Direitos Humanos (MDH), que vê com bons olhos a ação da Defensoria:

“A Defensoria Pública da União está atendendo a uma constante reivindicação da sociedade civil que precisa ser atendida. Consideramos importante a união de esforços dos diversos setores da sociedade para conseguirmos recursos suficientes para superarmos as dificuldades encontradas pelo IBGE”, afirmou a nota enviada ao Projeto #Colabora.

O MDH disse ainda que a demanda por uma pesquisa e contagem oficial desse público, prevista no decreto de 2009, vem sendo solicitada desde 2010. Em 2012, foi instituído um Grupo de Trabalho, no âmbito do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política da População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), com o objetivo de subsidiar o IBGE na elaboração e realização da pesquisa nacional:

“O IBGE se apropriou da metodologia e foi realizada uma pesquisa no município do Rio de Janeiro. Após esse teste, o IBGE avaliou que ‘dificilmente terá condições operacionais para conduzir uma pesquisa desse porte abrangendo todo território nacional’ por questões de infraestrutura geral, capacitação dos entrevistadores, alto custo da pesquisa e disseminação da metodologia”, informou o Ministério.

No Rio, pesquisa da Prefeitura estimou que 5 mil pessoas vivam na rua. O dado foi muito contestado pois representa uma queda improvável de 67% em relação a 2016. Foto Custódio Coimbra
No Rio, pesquisa da Prefeitura estimou que 5 mil pessoas vivam na rua. O dado foi muito contestado pois representa uma queda improvável de 67% em relação a 2016. Foto Custódio Coimbra

Diante das dificuldades apresentadas pelo IBGE, o Ipea apresentou como alternativa um estudo da estimativa desse público baseado nos dados do Cadastro Único e do Censo do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) 2016. Esse levantamento chegou ao alarmante total de 101.854 pessoas em situação de rua no Brasil.

O parecer do pesquisador Marco Antonio Carvalho Natalino, responsável pelo estudo, ressalta, no entanto, que a pesquisa não reflete de forma precisa a situação das cidades. Isso porque, por exemplo, as metodologias usadas pelos municípios são diferentes. No relatório, o pesquisador propõe, ainda, que a contagem dessa população seja incorporada ao Censo de 2020. O estudo alerta também para a necessidade de incorporar essa população ao Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), o que possibilitaria que eles tivessem acesso à transferência de renda e habitação, por exemplo.

Segundo o MDH, o Ipea está realizando outro estudo sobre estimativa e perfil da população em situação de rua no Brasil e sua publicação está prevista para o segundo semestre de 2018. Procurado pelo #Colabora, o Ipea, no entanto, não se manifestou sobre esse novo estudo e, diante da nossa solicitação de entrevista com o pesquisador responsável pela pesquisa anterior, informou que não conseguiu contatá-lo.

De qualquer forma, o Ministério disse que está elaborando alterações na Política Nacional para a População em Situação de Rua, dando ênfase agora no acesso à moradia. A ideia é propor mudanças na concepção e na metodologia de atendimento a esses indivíduos, dando foco às ações voltadas a habitação, trabalho e emancipação dessas pessoas, em uma adaptação do modelo “Housing First” (Moradia Primeiro).

“Algumas experiências internacionais exitosas têm mostrado que é possível a saída definitiva da situação de rua com dignidade, acesso a direitos e aumento da autonomia por meio do acesso imediato à habitação e atuação de várias políticas setoriais”, ressaltou o MDH.

A última pesquisa nacional sobre a população de rua foi feita há dez anos, coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento Social, mas envolveu apenas 71 cidades com mais de 300 mil habitantes e as capitais (com exceção de Belo Horizonte, São Paulo, Recife e Porto Alegre, que já tinham levantamentos próprios). Na época, foram registradas 31.922 pessoas vivendo em calçadas, praças, viadutos ou pernoitando em albergues ou instituições religiosas.

No Rio de Janeiro, a última pesquisa sobre a população de rua é recente, de março deste ano. Segundo o levantamento “Somos Todos Cariocas”, realizado pela Secretaria de Ação Social e Direitos Humanos (SASDH), em conjunto com o Instituto Pereira Passos (IPP), há 5 mil pessoas em situação de rua na cidade. A Secretaria, no entanto, informou ao #Colabora que considera os dados desatualizados e que vai realizar outro estudo, mas aguarda um parceiro para definir a metodologia e dar início aos trabalhos.

A questão é que os números apurados pelo levantamento foram contestados. Isso porque a pesquisa anterior, realizada em 2016 e divulgada no ano passado, indicava 14.279 pessoas nessa situação. Essa queda de 67,6% no número de moradores de rua em dois anos parece improvável, e a explicação está na diferença de metodologia.  Em estudos anteriores, agentes da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos faziam abordagens ao longo de todo o ano. Já o último levantamento foi realizado apenas no dia 23 de janeiro deste ano, com cerca de 600 profissionais que foram às ruas com tablets para registrar as informações. O uso da tecnologia impediria a contagem da mesma pessoa diversas vezes, mas, por outro lado, não leva em conta a influência de fatores sazonais, como dia de semana e época do ano.

Para além da questão da pesquisa, a Secretaria, até o fechamento desta reportagem, não informou as políticas públicas que estão sendo feitas voltadas para essa população vulnerável.

— As atuais políticas públicas para a população em situação de rua no Rio ainda são muito incipientes. O principal ainda não foi implementado, que é o Comitê Intersetorial de População de Rua, previsto na Política Nacional — afirma a defensora Carla Beatriz Nunes Maia, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Segundo Carla, as ações que realmente alcançam resultados expressivos hoje são algumas comunidades terapêuticas, que tratam a dependência química, como a Comunidade Católica Maranathá e a Associação Solidários Amigos de Betânia, mas não têm a abrangência necessária:

— Os abrigos estão aquém do que se pode entender como um local de reinserção social, haja vista que a população em situação de rua tem demandas específicas, como comprometimentos emocionais e psíquicos.

Já a Prefeitura de São Paulo faz levantamentos a cada três anos, realizados pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O último foi divulgado em 2016 e identificou 15.905 pessoas vivendo em situação de rua na capital paulista, um número 10% maior do que o apurado quatro anos antes, quando foram computadas 14.478 pessoas nessas condições.

Sobre a ação da Defensoria, o IBGE informou ao #Colabora que recebeu a notificação judicial e a encaminhou para a procuradoria federal, para que a questão seja analisada.

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