Pelo meu filho, voltei a sonhar com o futebol, com o Fluminense

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Mais uma partida emocionante da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Desta vez, Cícero César veste a camisa do seu Tricolor das Laranjeiras, Fluminense do grande jornalista e escritor Nelson Rodrigues que afirmou: “Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos. (…) Você é químico?’ Não, sou Fluminense, respondi de pronto ao ser abordado por um vizinho que me viu brincando com alguns líquidos de diversas cores. Eu tinha apenas três anos de idade, mas com uma convicção clubística anterior ao meu nascimento, e, quem sabe, anterior ao útero materno”.

“Roubo” um pouco a bola do craque Cícero César para oferecer este texto a um grande amigo que partiu fisicamente, mas que, certamente, sempre estará presente, o Edgar. Fluminense dos quatro costados, me fez prometer, quando mudei de São Paulo para o Rio, que toda vez que eu o encontrasse, teria que lhe dar um mimo do Tricolor. E assim foi. A coleção do grande Edgar cresceu tanto que a sua companheira Angélica já não sabia mais onde colocar copo, caneca, flâmula, toalha, bandeira, cinzeiro… Só faltou almofada. Simbolicamenbte, agora, não falta mais. Edgar, o Cícero César lhe manda uma almofada (Washington Araújo).




Dito isso, bola no meio de campo para Cícero César começar a partida:

“Valei-me, meu São Romero!
Como eu queria dizer que, quando eu era pequeno, eu queria porque queria que meu pai comprasse uma almofada do Fluminense para aliviar o peso da minha bundinha magra sobre o piso de concreto do Maracanã.
Mas, na verdade, meu pai não era de acompanhar futebol.
Sim, meu gosto pelo futebol foi sendo criado mais ou menos à revelia do meu pai, que me ensinou muita coisa, mas não a gostar do esporte bretão.
Fazer o quê, é a vida. O que a gente não tem a gente inventa. Por isso, para compensar um pouco a falta de conhecimento de meu pai acerca dos assuntos futebolísticos, eu inventei que ele era fera no jogo de botão, que seu maior craque era um botão de coco feito artesanalmente, que ele humilhava os adversários porque jogava assoviando.
História comprida, cheia de trivelas e firulas, para quem quisesse acreditar. Eu inventava que meu pai, aquele que no dia a dia estava pouco se lixando para futebol, tinha me dito que o torcedor ideal tinha que ir ao estádio com camisa do seu time de coração, com radinho, com bandeira, com almofada e com pelo menos uma criança a tiracolo – para a formação de público. O resto um bom time fazia.
Hoje em casa, na frente do meu filho, eu não preciso evocar a santa figura de meu pai para mais uma vez descaradamente mentir, dizendo que mantenho imaculadamente limpa a flâmula do tricolor pendurada na parede acima do oratório com velas permanentemente acesas para cada um dos três reis magos: Washington, Assis e Romerito.
Para mim, os três formam uma só entidade. E o menino Jesus é a taça da Commebol, decerto.
É verdade jurada de três dedos juntos: eu já tinha meio que me esquecido do futebol. Jogar não jogava mais. Ir a estádios? Nem pensar. Eu via uma partida ou outra na tevê, mas sem grandes paixões nem pretensões estéticas. Quer dizer, para todos os efeitos, eu era um mosca morta de Deus que para os olhos de muitas pessoas não ligava para futebol. Não me espantaria se à boca miúda eu estivesse a ganhar fama de maricas, de intelectual demais, ou das duas coisas conjugadas, só porque conseguia virar para o lado e dormir sem me importar em saber qual foi o placar de um jogo de quartas-de-final do Brasileirão.
Mas com a chegada do meu filho há treze anos, e mais ainda, com a chegada do interesse dele pelo futebol, de uns seis anos para cá, a coisa mudou de figura. Tive comichões. Era como se o gigante do capotão tivesse despertado. Voltei a fazer embaixadinhas, a rever viodeoteipes de jogos, a dar passes, a treinar faltas, a cuspir entre uma jogada e outra com ou sem motivo e às vezes até sem jogada, a respeitar o adversário, a usar o cotovelo quando necessário e a achar que o que interessa é sair com a vitória.
A minha camisa sempre foi a 5, que nem a do Falcão.
Pelo meu filho, voltei a sonhar com o futebol. Por isso, no Maracanã lotado, eu vejo o menino (Eu? Ele?) acomodar a bunda magra sobre a almofada tricolor. Bandeiras. Cânticos. SambasuormijocervejaGOOL. Recordar é viver, Assis acabou com você.
E para voltar para casa com a vitória do tricolor, sabendo que não há almofada melhor do que carcunda de gigante, uma carcunda igual a do meu pai, o que jogava botão.”

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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