Ademir Assunção pelo Facebook –
Lembro de Caio na redação do Caderno 2 há 30 anos – Deus meu, 30 anos! Lembro de Caio quase sempre silencioso, parecendo mau-humorado, talvez deprimido – algo que eu não podia compreender.
Não lembro de ver um dragão no lado esquerdo dele, um dragão pequeno que fosse.
Não lembro de sentir cheiro de hortelã ou de alecrim quando me aproximava dele.
Lembro que ele gostava da palavra “naja”, de Cazuza, de Angela Rô Rô e de Tom Waits. Lembro do Caio sorrindo. Não lembro se sentia orgulho de estar trabalhando ao lado dele.
Não havia tempo para orgulho. Era tempo de aumentar meu mundo particular, diminuir minha própria ignorância, com a natural curiosidade da juventude.
Lembro de roubar um cigarro quando ele se levantava para tomar um café ou ir ao banheiro e esquecia o maço de Marlboro em cima da mesa. Lembro de Marion Frank, de Ricardo Soares, de Alberto Villas, de René Decol, de Zé Carlos Conte, de Jotabê Medeiros, todos nós batucando nossas máquinas de escrever – e havia uma mágica dentro daquela enorme redação.
Uma mágica que somente nós conseguíamos perceber. Ou era algo que somente eu imaginava, não sei.
Lembro de Caio com a ternura que se tem por um irmão querido, nesta manhã amena de domingo, céu fechado, plantas ainda molhadas pela chuva persistente da noite. Agora eu quase posso sentir cheiro de hortelã e alecrim.
Agora eu compreendo que Os Dragões Não Conhecem o Paraíso:
“Os dragões não permanecem. Os dragões são apenas a anunciação de si próprios. Eles se ensaiam eternamente, jamais estreiam. As cortinas não chegam a se abrir para que entrem em cena.
Eles se esboçam e se esfumam no ar, não se definem. O aplauso seria insuportável para eles: a confirmação de que sua inadequação é compreendida e aceita e admirada, e portanto – pelo avesso, igual ao direito – incompreendida, rejeitada, desprezada.
Os dragões não querem ser aceitos. Eles fogem do paraíso, esse paraíso que nós, as pessoas banais, inventamos – como eu inventava uma beleza de artifícios para esperá-lo e prendê-lo para sempre junto a mim.
Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia.”
A mágica novamente acontece ao ler as palavras dele nesta manhã de domingo. Talvez o dragão, pequeno dragão, esteja ali, do lado de fora da janela, olhando o céu fechado. Talvez por isso o gato esteja miando tanto.