Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora –
Após anúncio feito por presidente da Embratur e senador Bolsonaro, governo estadual vê desrespeito à natureza
Após o governo federal anunciar que decidiu liberar a entrada de cruzeiros marítimos em Fernando de Noronha e ainda instalar novos “recifes artificiais” na área, com naufrágio de embarcações em determinados locais para atrações de mergulho, o governo de Pernambuco, estado onde o arquipélago está localizado, criticou a iniciativa. “A proposta é descabida e não respeita à natureza”, afirmou o secretário estadual de Meio Ambiente, José Bertotti, em entrevista na noite desta terça (3/3), lembrando que o anúncio não foi precedido de estudo técnico ou discussão com especialistas.
Mais cedo, a informação sobre a liberação dos cruzeiros havia sido confirmada pelo senador Flávio Bolsonaro, que visitara a ilha com o presidente da Embratur, Gilson Machado. Em vídeo, Flavio diz que o governo está agindo para “desatar os nós” da legislação e permitir e ampliar a exploração turística de Fernando de Noronha. Gilson Machado afirma que há obteve aprovação para novos recifes artificiais. “Acabamos de aprovar, junto à Marinha, mais 12 pontos novos de naufrágio, para agregar ao turismo de Noronha, como também estamos destravando a volta dos cruzeiros marítimos em Noronha”, afirmou o presidente da Embratur.
Em nota, o governo de Pernambuco atacou a iniciativa. “As 21 ilhas do arquipélago abrigam uma biodiversidade única e não podem ser alvo do modelo de turismo predatório sugerido no vídeo publicado pelo senador Flávio Bolsonaro e o presidente da Embratur, Gilson Machado”, afirma a nota assinada por Bertotti. O secretário afirma ainda que “fica claro como os representantes do governo federal se ocupam muito mais em querer impor um tipo de visitação que não respeita a natureza do que focalizar sua energia em iniciativas que respeitam o meio ambiente ou que ofereçam melhores condições de vida aos moradores do arquipélago”.
Em entrevista, Bertotti lembrou que plano de manejo contratado pelo próprio governo federal demonstra que já há um excedente de turistas além do permitido. “Esse modelo é descabido e uma ameaça a um Patrimônio da Humanidade que é Fernando de Noronha”, afirmou. Em 2018, foram recebidos no arquipélago 103 mil turistas, quando, pelo plano de manejo contratado pelo ICMBio, a carga máxima deveria ser de 89.790.
Em reportagem publicada no #Colabora em setembro, quando o presidente Jair Bolsonaro anunciou pela primeira vez a intenção de liberar os cruzeiros, a jornalista Carla Lencastre lembra que a liberação dos cruzeirosO é polêmica em vários outros pontos turísticos do mundo. “A ilha de Palma de Mallorca, uma das mais concorridas durante o quente verão espanhol, pediu a redução dos cruzeiros em seu movimentado porto para apenas um por dia (hoje podem ser mais cinco em um mesmo dia) visando a amenizar o impacto ambiental”.
Um exemplo mais antigo é o impasse entre Veneza e os transatlânticos, que se estende há mais de uma década. O auge da crise foi em junho passado, quando um imenso navio se chocou com um pequeno barco e quatro pessoas ficaram feridas. Além da questão de segurança, o tráfego das grandes embarcações contribui para a erosão das fundações da cidade. No início de agosto, Veneza pediu a outros oito grandes portos de cruzeiros europeus – Mallorca entre eles – para juntar forças e encontrar soluções que preservem o meio ambiente. Logo depois, o governo italiano anunciou que vai proibir paradas de navios de grande porte no porto ao lado do centro histórico veneziano.
Desde o verão 2013/2014, Fernando de Noronha não recebe cruzeiros marítimos com regularidade. O motivo passa por restrições impostas às operadoras para fretar navios e licenças ambientais. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, o plano do governo federal é liberar visita para embarcações com 600 passageiros ou mais – mesmo até a suspensão, os cruzeiros ao arquipélago levavam, no máximo, 200 passageiros.
Na nota, José Bertotti afirma ainda que “a informação de que o governo federal vai ‘autorizar’ a entrada de cruzeiros marítimos em Fernando de Noronha deixa mais uma vez evidente a maneira como a União lida” com o meio ambiente. “As referidas autoridades desconhecem a existência da limitação do número de visitantes em Fernando de Noronha e as consequências de colocar na ilha mais de 600 pessoas de uma só vez, como acontece no caso dos navios de cruzeiro”, acrescenta o secretário de Meio Ambiente de Pernambuco.