Perseu Abramo e os padrões de manipulação da imprensa sobre a geopolítica palestina

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Questões como Israel não respeitar a partilha proposta pela ONU sobre a divisão da Palestina em dois estados, o genocídio palestino, o regime de apartheid na Cisjordânia e a “maior prisão a céu aberto do mundo” existente em Gaza são estrategicamente eliminadas dos noticiários

POR FRANCISCO FERNANDES LADEIRA, compartilhado da Revista Fórum




Perseu Abramo e os padrões de manipulação da imprensa sobre a geopolítica palestina
Forças de Defesa de Israel já jogaram seis mil bombas sobre a Faixa de Gaza. Wafa

Em 1996, foi publicado pela primeira vez o livro “Padrões de Manipulação na Grande Imprensa”, do jornalista, sociólogo e professor Perseu Abramo. A obra em questão destaca os motivos pelos quais a mídia hegemônica brasileira falseia a realidade, invisibiliza determinados atores sociais e descontextualiza fatos para defender interesses políticos e econômicos que não são os mesmos dos leitores, ouvintes e telespectadores.

Para tanto, Abramo distingue quatro padrões de manipulação presentes na imprensa: padrão de ocultação, padrão de fragmentação, padrão de inversão e padrão de indução. Tratam-se de tipos ou modelos de manipulação, em torno dos quais gira, com maior ou menor grau de aproximação ou distanciamento, a maioria das matérias da produção jornalística.

Conforme reconhecem especialistas na área da Comunicação, não apenas o seminal “Padrões de Manipulação na Grande Imprensa”, mas toda a profícua bibliografia de Perseu Abramo, constitui um grande referencial para os cursos de jornalismo e para análises do discurso midiático.

Sendo assim, podemos compreender a cobertura da grande imprensa sobre os recentes acontecimentos na geopolítica palestina a partir dos padrões de manipulação elencados por Perseu Abramo.

O “padrão de ocultação” diz respeito à ausência e à presença de certos fatos na produção da imprensa. Ou seja, está relacionado à escolha do que é um fato jornalístico e o que não é um fato jornalístico. Consequentemente, a mídia, ao definir em sua pauta aquilo que entende que deve ser noticiado, oculta, intencionalmente, parte da realidade. O “fato” presente na produção jornalística passa a tomar o lugar do “fato real”, e a compor uma outra realidade, criada pela imprensa.

Não há dúvidas que o secular conflito entre israelenses e palestinos, um dos principais focos de tensão da geopolítica global, é um “fato jornalístico” (haja vista o grande interesse das pessoas em se manifestarem sobre esta temática, seja nas conversações cotidianas ou nas redes sociais).

No entanto, como observado no parágrafo acima, a mídia, ao noticiar um determinado acontecimento, oculta, de forma intencional, parte da realidade. No caso da geopolítica palestina, tal prática de manipulação tem por objetivo desenvolver uma espécie de propaganda de guerra pró-Israel. Uma narrativa que só recorre a fontes favoráveis ao Estado Sionista e oculta o contraditório, isto é, qualquer tipo de posicionalmente pró-Palestina.

Esta (proposital) ocultação vai em encontro ao chamado “padrão de fragmentação”, em que, mesmo um fato escolhido como “fato jornalístico”, é estilhaçado, despedaçado, fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados; e não é apresentado em suas estruturas e interconexões, sua dinâmica, movimentos e processos históricos próprios, suas causas, condições e consequências.

Logo, é eliminada toda a historicidade das relações entre palestinos e israelenses. Questões como Israel não respeitar a partilha proposta pela ONU sobre a divisão da Palestina em dois estados, o genocídio palestino, o regime de apartheid na Cijordânia e a “maior prisão a céu aberto do mundo” existente em Gaza são estrategicamente eliminadas dos noticiários.

Nessa lógica, esgota-se o acontecimento em sua imediatidade, com objetivo de produzir uma “realidade” em que os antagonismos entre palestinos e israelenses tiveram início no sábado, 7 de outubro, com o “ataque terrorista do grupo extremista Hamas à Israel”.

Em sequência, tem-se o “padrão de inversão”, quando ordem e importância das partes fragmentadas são alteradas: o secundário é apresentado como o principal e vice-versa.

Como sabemos, o ponto central da geopolítica palestina é a questão territorial, especificamente a usurpação colonial de terras palestinas por parte do Estado de Israel. Mas, no “padrão de inversão” da imprensa, o ataque realizado por militantes do Hamas contra as pessoas que estavam na edição israelense da rave Universo Paralello é apresentado como início dos antagonismos entre Israel e Palestina.

Evidentemente, em quaisquer circunstâncias, mortes de civis devem ser lamentadas. Porém, quem conhece minimamente a história do Oriente Médio, sabe que o episódio da rave, apesar de sua gravidade, não é o principal fator para se compreender o conflito que se passa na Palestina.

Por fim, de acordo com Perseu Abramo, o que caracteriza a manipulação como um fato essencial da grande imprensa é a hábil combinação dos casos, momentos, formas e graus de distorção da realidade, submetendo a população à condição de ser excluída da possibilidade de ver e compreender a realidade e a consumir uma “outra realidade”, artificialmente inventada.

É o chamado “padrão de indução”, resultado e ao mesmo tempo o impulso final da articulação combinada de outros padrões de manipulação dos veículos de comunicação.

Desse modo, dependendo das circunstâncias, as pessoas podem agir baseadas não no que realmente está se passando, ou que tenha ocorrido, mas naquilo que imaginam ser a situação real, obtida a partir de descrições fornecidas pela imprensa – significações e interpretações que, frequentemente, têm apenas limitada correspondência com que se passou.

Como as milhares de vítimas civis do exército sionista em Gaza e na Cisjordânia não aparecem nos noticiários (afinal de contas, “não são gente como a gente”, como diz Guga Chacra) e, por outro lado, o ocorrido na rave israelense é sistematicamente relembrado nos principais canais de televisão (além da fake news dos bebês degolados pelo Hamas); o cidadão comum, sensibilizado, tende a se solidarizar com Israel e a culpar os “radicais palestinos” pela “guerra” no Oriente Médio.

Não por acaso, Perseu Abramo advertia que o público, submetido constantemente aos padrões de manipulação da imprensa, pode ser induzido a ver o mundo não como ele é, mas como querem que o veja.

Diante dessa realidade, cabe às forças progressistas se mobilizarem para impedir que os padrões de manipulação da imprensa hegemônica prevaleçam como “versão oficial” sobre a geopolítica palestina. Isso significa fazer com que os crimes do Estado Sionista sejam devidamente reconhecidos pelo grande público (atrocidades que só encontram paralelos nos piores momentos da história da humanidade, como o colonialismo europeu, o Apartheid sul-africano e o Holocausto).

Caso contrário, ocorrerá aquilo que Malcolm X já alertava: Rede Globo, CNN, Folha de São Paulo e Veja farão com que as pessoas amem o opressor (Israel) e odeiem o oprimido (Palestina).

* Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp. Autor de catorze livros, entre eles “A ideologia dos noticiários internacionais” (Editora CRV).

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