Pesquisa da Ufes constata contaminação crônica no Rio Doce

Compartilhe:

, compartilhado de Projeto Colabora – 

Após rompimento da barragem em Mariana, DNA ambiental identifica 123 espécies de micro-organismos no estuário, todas contaminadas por metais pesados

Barcos na foz do Rio Doce em novembro: contaminação crônica por metais resultante da lama de rejeitos da barragem da mineradora da Samarco (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)
Barcos na foz do Rio Doce em novembro: contaminação crônica por metais resultante da lama de rejeitos da barragem da mineradora da Samarco (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

O Rio Doce não está morto, mas tem contaminação crônica por metais resultante da lama de rejeitos da barragem da mineradora da Samarco em Mariana, que rompeu em novembro de 2015 e avançou sobre o rio. A afirmação é do professor do Departamento de Oceanografia Angelo Fraga Bernardino. Ele coordena a rede de pesquisa Solos e Bentos do Rio Doce – bento é um termo que se refere a organismos subaquáticos que vivem no fundo dos rios e mares – que descobriu 123 espécies desses micro-organismos na foz do rio: todos sob efeito de contaminação crônica por metais pesados.

O problema é a alta concentração desses metais depois que a lama da barragem chegou ao estuário. Em grandes quantidades e em condições ambientais específicas, tornam-se potencialmente biodisponíveis e tóxicos para a vida marinha e para a vida humana

Angelo Fraga Bernardino
Professor do Departamento de Oceanografia da Ufes

Pela primeira vez no Espírito Santo, e em desastres ambientais no Brasil, foi usada nessa pesquisa a técnica denominada “DNA ambiental” ou “eDNA”, que detectou 123 potenciais espécies de animais invertebrados subaquáticos sob efeito crônico dos metais. “Ficamos surpresos em descobrir uma diversidade no estuário do Rio Doce que ninguém nunca descreveu. A má notícia é que essa contaminação tem um efeito nocivo nessas comunidades e interfere em como os organismos estão distribuídos no estuário. Vemos claramente que locais onde há maior concentração de metais no fundo possuem comunidades distintas de outras áreas com menor concentração, e isso evidencia o efeito desses rejeitos na ecologia e saúde daquele ecossistema”, afirma Bernardino.

Leia todas as reportagens da série #100diasdebalbúrdiafederal




O professor explica que os metais-traço são aqueles que se apresentam em mínimas quantidades, sendo que já existiam na bacia do Rio Doce antes do desastre devido à atividade de mineração no local. Porém, as concentrações de  antes do acidente eram muito inferiores às encontradas após o desastre de Mariana. “O problema é a alta concentração desses metais depois que a lama da barragem chegou ao estuário. Em grandes quantidades e em condições ambientais específicas, tornam-se potencialmente biodisponíveis e tóxicos para a vida marinha e para a vida humana”, diz o professor.

A onda de lama da barragem trouxe grandes quantidades de óxido de ferro que, por si só, não oferecia risco. Porém, o óxido de ferro é muito reativo e agregou os metais-traço tóxicos que, provavelmente, estavam disponíveis em toda a bacia do Rio Doce até chegar ao estuário. Ali, parte desse material se depositou e continua presente no fundo, aumentando o nível de alguns compostos em até 200 vezes, resultando em grande quantidade de chumbo, arsênio, alumínio, cobre e cromo em concentrações muito acima do que existiam

Angelo Fraga Bernardino
Coordenador da pesquisa e professor da Ufes

Os pesquisadores iniciaram o monitoramento do estuário – que é o local onde o rio se encontra com o mar – antes de a lama de rejeitos da Samarco atingir a área, traçando a única linha base existente do estuário do Rio Doce disponível para a pesquisa. A área delimitada foi de dez quilômetros de rio a partir do encontro com o mar.

“Como há muitas cidades que despejam rejeitos industriais e domésticos na bacia, já havia um nível de metais-traço acima do de um estuário limpo, mas provavelmente com baixo risco à saúde. Quando os rejeitos chegaram a Regência, a onda de lama da barragem trouxe grandes quantidades de óxido de ferro que, por si só, não oferecia risco. Porém, o óxido de ferro é muito reativo e agregou os metais-traço tóxicos que, provavelmente, estavam disponíveis em toda a bacia do Rio Doce até chegar ao estuário. Ali, parte desse material se depositou e continua presente no fundo, aumentando o nível de alguns compostos em até 200 vezes, resultando em grande quantidade de chumbo, arsênio, alumínio, cobre e cromo em concentrações muito acima do que existiam. Agora temos uma condição diferente. Apesar de não estarem no rejeito que saiu da barragem, eles estavam no rejeito que chegou ao estuário. Então, o rejeito da Samarco foi, sim, responsável por contaminar a região estuarina”, explica o pesquisador.

Barco de pesca na foz do Rio Doce: análise de micro-organismos indica que pescado também pode estar contaminado por metais pesados (Tânia Rego/Agência Brasil)
Barco de pesca na foz do Rio Doce: análise de micro-organismos indica que pescado também pode estar contaminado por metais pesados (Tânia Rego/Agência Brasil)

Pescado ameaçado

O professor Angelo Bernardino afirma que há risco de contaminação do pescado, pois os metais não ficam presos no sedimento, não aderem ao solo. “De maneira lenta e contínua, vão saindo para a coluna d’água, contaminam peixes, camarões e, possivelmente, o homem. Existem dados de outros grupos de pesquisa e também nossos de que parte desses metais-traço entram em peixes, em camarão e, portanto, oferecem risco à saúde humana lá em Regência”, afirma o professor.  Ele também informa que há uma pesquisa de doutorado sendo finalizada sobre bioacumulação de metais em pescado. “Já posso adiantar que sim, há indícios de que o pescado foi contaminado”, diz.

A pesquisa coordenada pelo professor Bernardino visa estudar os impactos do desastre da Samarco no estuário do Rio Doce. As coletas de amostras são semestrais, desde o final de 2015, dias após o rompimento da barragem e antes de a lama chegar à Regência. A Ufes é a instituição coordenadora do projeto, que conta também com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), Comissão de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Os dados publicados no artigo mais recente – publicado na revista Peerj – se referem a 2017. Dados anteriores que mostraram os impactos iniciais já foram publicados pela rede Solos e Bentos. Porém, no mês de agosto de 2017, houve um pico de concentração de metais no estuário, ainda maior que no momento da queda da barragem. Segundo o professor, os picos são sazonais. “Em épocas de seca, com menos água no leito do rio, os metais ficam mais acumulados no sedimento”, diz.

*Revista Universidade

A série #100diasdebalbúrdiafederal terminou, mas o #Colabora vai continuar publicando reportagens para deixar sempre bem claro que pesquisa não é balbúrdia.

O Bem Blogado precisa de você para melhor informar você

Há sete anos, diariamente, levamos até você as mais importantes notícias e análises sobre os principais acontecimentos.

Recentemente, reestruturamos nosso layout a fim de facilitar a leitura e o entendimento dos textos apresentados.
Para dar continuidade e manter o site no ar, com qualidade e independência, dependemos do suporte financeiro de você, leitor, uma vez que os anúncios automáticos não cobrem nossos custos.
Para colaborar faça um PIX no valor que julgar justo.

Chave do Pix: bemblogado@gmail.com

Posts Populares
Categorias