No Alemão, combate à pandemia a partir de lixo eletrônico

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Por André Balocco, compartilhado de Projeto Colabora – 

Engenheiro mecânico de 25 anos construiu sete impressoras 3D a partir de sucata e fez 300 máscaras tipo escudo facial para doar a médicos e enfermeiros

Lucas confere sua impressora 3D feita de sucata eletrônica: máscaras face-shield para unidades da saúde da área Alemão (Foto: Divulgação)

Duas horas. Este foi o tempo que Lucas Lima, engenheiro mecânico de 25 anos e morador do Complexo do Alemão, precisou para fazer uma veterana impressora 3D Makerbot voltar a funcionar depois de anos parada. A história que o filho mais velho de cinco irmãos conta orgulhoso, ano passado, é emblemática. Às vésperas de se formar, precisava desesperadamente de um estágio para conseguir concluir o curso. O problema é que, além da economia em declínio, ele sempre esbarrava, nas entrevistas de emprego, em questões como boa aparência e local de moradia – algo tristemente comum para quem tem o tom da pele escura e mora em favela.




Quero transformar o Alemão numa FabLab, fazer dessa favela uma espécie de Vale do Silício. Potencial não falta, mas agora preciso esperar

Lucas Lima
Engenheiro mecânico

Lucas pediu ajuda aos professores da faculdade que cursava com uma bolsa e ganhou duas semanas para fazer a bichinha funcionar numa pequena salinha, em troca dos créditos. Saiu dela duas horas depois cheio de orgulho pela missão cumprida e certo que encontrara um novo caminho: empreender para jovens de comunidades como ele. Faltava apenas aprender a decifrar como. “Os professores ficaram impressionados, e eu entendi que poderia montar outras impressoras a partir de sucatas”, conta ele. “Como não tinha a menor ideia de como empreender, fui estudar como poderia transformar este projeto em realidade”.

Um ano depois de sair da salinha, Lucas ostenta o título de professor de robótica institucional do Liceu de Artes e Ofício e de empreendedorismo de um colégio da Zona Sul do Rio. E ainda enfileira sete impressoras 3D construídas a partir de sucatas, uma coleção de imagens tipo busto de ídolos negros como Cartola e Sarah Vaughan e um projeto de escola de tecnologia dentro do Complexo do Alemão. Nele, tem certeza que irá espalhar conhecimento para jovens favelados que esperam apenas por uma oportunidade para mostrar seu potencial. “Iriamos começar em abril, já tinha um galpão sendo preparado e um patrocinador, mas veio a pandemia e tive de me recolher ao meu quarto”, brinca Lucas, esperançoso de dias melhores.

Enquanto não vira realidade a sua Infill –  nome oficial da empresa –  Lucas produz material de apoio para a construção de máscaras impressos em suas ‘filhas’. Ele mesmo comprou as peças restantes, que não saem em 3D, e as montou com a ajuda de amigos voluntários. Saiu com as 300 máscaras ‘ShieldFaces’ e as doou para profissionais da Clínica de Família e a UPA do Alemão, além de ONGs que atuam no complexo. “Rapaz, esta pandemia atrasou meu planejamento, mas não me parou. As apostilas do curso já estão prontas”, diz ele, autor das mesmas. “Tivemos muitos casos de Covid aqui no complexo, a maioria deles sem confirmação oficial. Então fizemos o que tinha de ser feito”.

Lucas Lima com uma face shield fabricada no Alemão: planos para promover cursos no complexo (Foto: Divulgação)
Lucas Lima com uma face shield fabricada no Alemão: planos para promover cursos no complexo (Foto: Divulgação)

Aliás, a escolha do nome Infill é curioso. Lucas já tinha pronto o projeto para apresentar, entrou no programa Shell Iniciativa Jovem e o pôs pra rolo com as aceleradoras. Precisando nomear sua joia, olhou para o led da impressora e nomeou sua startup de Infill, palavra que significa preenchimento – um parâmetro de impressão em 3D. Levou a premiação máxima da petroleira, em outubro passado, e ainda ficou entre os cinco melhores projetos de Iniciativa Jovem, ganhando fôlego para seguir em frente e transformar seu sonho em realidade. Seu projeto de reciclagem de sucata eletrônica transformada em impressora 3D – sustentabilidade na veia – também conquistou a Ambev, onde venceu o programa Start. Na ideia inicial, aulas trimestrais para 30 alunos. O que ele não contava é que aglomerações seriam problemas desde o início da pandemia causada pelo Covid-19. “Quero transformar o Alemão numa FabLab, fazer dessa favela uma espécie de Vale do Silício. Potencial não falta, mas agora preciso esperar”.

O abismo entre as escolas da Zona Sul, onde leciona, e os colégios estaduais, o impressiona. Lucas acredita que parte do desânimo da juventude com as aulas vem daí. O exemplo do sucesso de sua palestra em São Gonçalo não sai de sua cabeça. “Há um fosso imenso entre a realidade das escolas públicas e particulares. Não se ensina tecnologia nestas escolas e a juventude se desinteressa”, avalia.

Neste gap entra sua Infill. Nele, também cabe o sonho de preencher corações e mentes dos moradores do Alemão e, quem sabe, espalhar a ideia por outras favelas. Vontade não falta. Que venha logo o Pós-Pandemia…

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