Dia do Trabalhador: Levi Oliver enfrenta jornada exaustiva em serviço de entregar para manter um lar com a namorada, pagar as contas e ser independente
Por Adriana Amâncio, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Levir Oliver com a bicicleta e o bolsa de entregas no Recife: sonho de ter motocicleta para faturar mais (Foto: Adriana Amâncio)
“Não paro! Hoje mesmo eu vim trabalhar com o ligamento do meu tornozelo rompido, mas eu preciso, então, venho trabalhar com dor ou sem dor”. O lema de Levi Oliver, que se identifica como pessoa não binária, e mora no bairro de Jordão Baixo, na periferia do Recife, é trabalhar de domingo a domingo. Assim, ela lucra cerca de R$ 1500 por mês, realizando entregas de delivery, de bike, cerca de 16 horas por dia. Essa renda foi o caminho para que ela alugasse um kit net e pudesse viver com a namorada, atualmente desempregada, longe do estranhamento da mãe em relação a sua orientação sexual. Com essa renda, Levi paga aluguel, internet e compra alimentos longe da incompreensão e da intolerância.
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Assim como ela, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) 55 mil trabalhadores se lançam no trânsito brasileiro de bike para sobreviver realizando entregas de delivery. Somando todos os profissionais, que atuam como motoristas de aplicativo, mototáxis e entregadores de delivery que usam a moto como meio de transporte, são 1,5 mihão. Eles representam a Gig economy, surgida em meio a uberização, ou seja, uma relação de trabalho baseada em demandas, sem vínculo empregatício e regulada por aplicativos e conexão com a internet.
“Eu queria ser independente, pagar as minhas contas, sair de casa, pagar o meu aluguel. Eu enviei currículos, mas como não fui chamada, um amigo meu indicou o aplicativo e eu vi que dava para me sustentar”, relembra. A jornada de Levi começa cedo, às 5h da manhã. Antes de iniciar as entregas, ela precisa percorrer 4 quilômetros da sua casa até o ponto de trabalho, localizado no Shopping Recife, área Sul do Recife. Só para se deslocar de casa até o trabalho, pela manhã, e à noite, ela precisa percorrer 8 quilômetros de bike. Entre 7h da manhã e meia noite, a rotina é desbravar o trânsito do Recife entre carros, motos e ônibus, debaixo de sol e chuva, em busca do ganha pão.
No ponto de entregas onde a encontramos, há um hub, estrutura criada pelo Ifood, com banheiro e água disponível aos entregadores. Mas, segundo a entregadora, nem sempre a estrutura está disponível para uso. Quando alguns entregadores adotam práticas que desagradam os responsáveis pelo hub, o acesso ao banheiro e a outros serviços disponíveis fica proibido. “Então, em relação a usar banheiro, a gente tem que ir dentro do shopping, vai entregar algum pedido e usa o banheiro, se deixarem. Água, a gente traz de casa. E come no meio da rua”, relata.
Além da falta de estrutura, Levi tem que lidar com o ambiente majoritariamente masculino, o que inclui piadas e brincadeiras machistas, denuncia ela. “Realmente a dificuldade é mais as brincadeiras e conversas e o local que querendo ou não a gente não se sente bem. As conversas são meio machistas e meio íntimas. No caso, é horrível para a gente ficar escutando e não poder retrucar”, desabafa.
Além do trânsito do Recife, intenso e hostil aos ciclistas e onde Levi já sofreu três acidentes, felizmente sem resultados graves, o peso da bag quando o app toca e oferece uma entrega volumosa, se torna outro problema. “A bag incomoda quando a gente pega entregas grandes, três ou quatro pizzas, refrigerante. Quando tem que fazer feira para o cliente. Realmente tenho muita dor na coluna”, reclama.
Para que não haja risco de as contas não fecharem no fim do mês, Levi mantém o foco na resiliência e, com isso, mesmo sentindo dores no tornozelo e na coluna, não larga a jornada. Quem lhe impõe limites é o ciclo menstrual, no caso dela, marcado por cólicas, dores de cabeça e muita febre. “Quando estou menstruada, eu paro, não venho trabalhar”, arremata.
Levi reconhece que conseguir um bom emprego está difícil. Por essa razão, não alimenta sonhos naquilo que já tentou alcançar sem êxito. Faz planos para ampliar a renda no serviço de delivery, “que é o que tem pra hoje”. Nessa direção, ela já traçou as estratégias. “Ela está desempregada, mas ela também vai comprar uma bike e também quer trabalhar no aplicativo”, afirma.
Para Levi, que está neste tipo de serviço há mais tempo, a ideia é investir em uma moto para aliviar o esforço sobre o tornozelo castigado por várias lesões e ganhar tempo, realizando mais entregas. “Eu fiz uma vaquinha online para tirar a minha habilitação e alugar uma moto depois que eu juntar um dinheiro para a gente se sustentar e não passar nenhuma crise. Já consegui metade até agora”, afirma com ar de cansaço, mas, ainda assim, com tom comemorativo.
Durante a nossa apuração, Lívia Maria de Oliveira, de 27 anos, não se sentiu à vontade para revelar a sua identidade de gênero. Ao a abordarmos, percebemos que, diferente dos demais entregadores, ela estava afastada, a cerca de 300 metros do hab, em um grupo de entregadores homens, os quais ela considera companheiro. “O pessoal daqui é muito unido, se o meu pneu furar, eles ajudam”, completa. Horas mais tarde, quando eu chego em casa, recebo uma mensagem sua no zap, que dizia. “Olha, eu posso ser chamada na matéria de Levi Oliver? É que eu sou uma pessoa não binária, não sou homem, nem mulher?” Eu disse claro que sim, mas não deixei de perguntar porque ela não havia se apresentado assim. Ela disse “porque muita gente não entende”.