Pessoas gordas na praia e o tribunal do corpo a caminho do mar

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Descer do calçadão da praia e pisar na areia quente. Senti-la entrando pelo chinelo e encostando nos pés, ver o céu azul, o marzão ali na frente, o calor do sol pesando na cabeça. Existe sensação melhor? Não,  né? Amantes do verão me entenderão. No entanto, pessoas gordas na praia nem sempre têm esse sentimento.

Por Márcia Gattai, compartilhado de Construir Resistência




Se você está em uma praia mais movimentada, o som dos ambulantes oferecendo seus produtos (alô, limão, alô, mate!) se mistura com o das crianças correndo e gritando e pessoas conversando. Aquela muvuca que só pode ser relaxante se você estiver na praia. Tomar muito sol e vários banhos de mar formam o combo perfeito pra mim. Gosto e pratico muito, há mais de 50 anos, sempre que posso.

Para pessoas gordas na praia, o caminho até o mar pode ser um grande sofrimento

Parece que a vida fica melhor vista da praia, em um dia de sol. E isto pode ser mais verdadeiro para uma parcela dos banhistas. Isso porque pessoas magras, quando sentem vontade de ir até o mar, se levantam da cadeira e vão. Zero preocupação com o trajeto. Bem simples.

Mas, se você é gorda, o caminho percorrido do guarda-sol até o mar pode ser um grande sofrimento. Dificilmente você vai escapar dos olhares de reprovação, risinhos e comentários sobre o seu corpo. O fato de uma pessoa gorda estar caminhando pela areia da praia, com o corpo exposto, automaticamente dá a outros banhistas o “direito” de analisar o corpo dela atentamente, xingar, assoviar, jogar areia, entre outros absurdos.

“Quem mandou a gorda achar que poderia sair da cadeira, do guarda-sol onde estava mais escondida?”   “Quem foi que disse que a gorda tem os mesmos direitos que as demais?” Deve ser algo assim que passa pela cabeça dos que praticam os absurdos acima (e outros mais) com pessoas gordas que buscam momentos de lazer nas praias.

Gordas sofrem isto todos os dias nas praias (e também fora delas). Estão “acostumadas” a serem julgadas e condenadas, por existirem. Sou uma delas. Também passo por isto. Caminhar na praia sob observação atenta de outros banhistas é minha realidade desde sempre.

“Usava estratégias que minimizassem os julgamentos sobre meu corpo”

No passado, quando criança ou adolescente, escolhia os momentos de ir até o mar. Não podia ser quando desse vontade, como faz qualquer pessoa não-gorda. Esperava alguém querer ir junto, pra amenizar ou disfarçar o mal-estar do percurso. Ou ia pro mar logo que chegava, cedinho, porque era um horário mais vazio. Ficava lá mais tempo, aproveitando bastante, e não voltava mais ao longo do dia (mesmo com vontade).

Enfim, usava estratégias que minimizassem os julgamentos sobre meu corpo, quando percorresse aquele caminho que poderia ser incrível, prazeroso e feliz, um momento de encontro com o mar. Mas não era. Parecia mais um tribunal julgando meu corpo.

Cresci e continuei indo às praias e ao mar, muitas vezes. Os julgamentos nunca cessaram. Mas lidei com eles de formas diferentes. Se eu estava bem, não me importava com os olhares, passava batido. Caso não estivesse, me sentia incomodada.

Em ambos os casos, conforme fui ficando mais velha e consciente, o julgamento do outro já não me impedia mais de ir e vir do mar, quantas vezes desejasse. Mas só porque meu amor pelas praias sempre foi muito grande e também porque me sentia mais segura, confiante, com mais amor-próprio.

“No meu mundo ideal, poderemos percorrer o caminho até o mar sem medo”

Não deveria ter sido assim. Não preciso estar bem para conseguir andar livre de julgamentos na praia (ou na rua). Minha autoestima ou amor-próprio não devem funcionar como passaportes necessários para um dia na praia, livre de julgamentos. Eu e todas as pessoas gordas temos todo o direito do mundo de andar na praia e por onde quisermos, com o corpo que temos, sem que outros nos incomodem/julguem.

Não vou à praia há mais de dois anos por causa da pandemia.  Amenizo a saudade de estar longe da areia e do mar tomando sol no centro de São Paulo. De biquíni, na laje do prédio. Biquíni sim, porque nunca usei maiô.

Tento resistir como posso, num mundo preconceituoso com as mulheres, as velhas, as gordas (dou check nas três). No meu mundo ideal, nós, gordas, poderemos percorrer o caminho até o mar sem medo, sem mal-estar e risinhos irônicos. Só teremos muito sol na cabeça e areia nos pés. Sem olhares acusatórios.

Márcia Gattai

Márcia Gattai é intrometida, empresária, socióloga e praieira.Criei a 1a marca de bijuterias plus size do país, a Fofura Pimenta.

Aqui vamos conversar sobre gordofobia, empreendedorismo e coisa e tal. Ah, sol na laje também. Bora!

Matéria publicada originalmente no link abaixo:

https://alexandrismos.com/pessoas-gordas-na-praia-e-o-tribunal-do-corpo-alheio/

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