Foi uma equipe indígena que encontrou as roupas manchadas de sangue de Dom Phillips e Bruno Pereira, mas a PF barrou-os na coletiva da noite desta quarta-feira e ignorou o papel decisivo deles. Foi um convescote de policiais e militares brancos, uma farsa
Por Mauro Lopes, compartilhado da Revista Fórum
A Polícia Federal organizou uma entrevista coletiva na noite desta quarta-feira (15) em Manaus para anunciar a “solução” do assassinado do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, mas o que se viu foi uma farsa. Os policiais e militares participantes auto congratularam-se o tempo todo, barraram qualquer presença de indígenas que lideraram as buscas e ignoraram o fato de que foi uma equipe indígena quem, no último sábado (11), encontrou as roupas manchadas de sangue dos dois mortos. Os indígenas só foram mencionados depois de questionamento dos jornalistas. A postura da PF causou indignação.
Veja aqui um breve trecho da coletiva, sem a presença de indígenas e na qual eles foram ignorados:
A Polícia Federal não pode alegar ignorância sobre a participação decisiva dos indígenas, pois foi pelas mãos da Equipe de Vigilância da UNIVAJA (EVU) que chegou ao local do crime – Univaja é a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari. Na nota divulgada nesta quarta, a Univaja anotou o passo a passo do processo de buscas, ignorado pela PF na coletiva: “Nós, UNIVAJA, participamos ativamente das buscas desde o dia 05/06/22 através da Equipe de Vigilância da UNIVAJA (EVU). Fomos os primeiros a percorrer o rio Itaquaí atrás de Pereira e Phillips ainda no domingo, primeiro dia do desaparecimento dos dois. Desde então, a única instância que esteve ao nosso lado como parceira nas buscas foram os policiais militares do 8º Batalhão em Tabatinga (AM). Fomos nós, indígenas, através da EVU, que encontramos a área que, posteriormente, passou a ser alvo das investigações por parte de outras instâncias, como a Polícia Federal, o Exército, a Marinha, o Corpo de Bombeiros etc. Foi a equipe de vigilância da UNIVAJA que entrou na floresta em busca de Pereira e Phillips para dar uma satisfação aos seus familiares. Foi a equipe de vigilância da UNIVAJA, a EVU, que indicou para as autoridades o perímetro a ser vasculhado em profundidade pelos órgãos estatais”.
Veja a seguir reportagem do britânico Channel 4 News, registrando o momento em que a equipe de indígenas da Univaja conduz policiais até encontrarem as roupas. No texto que introduz a reportagem, lê-se: “Este é o momento em que uma equipe de resgate indígena encontra roupas manchadas de sangue que reconhecem como pertencentes a Bruno Pereira, o especialista indígena que desapareceu com o jornalista britânico Dom Phillips na Amazônia há mais de uma semana”. Assista:
A jornalista Eliane Brum registou em um tuíte na manhã desta quinta (16) a presença das equipes indígenas na busca: “Só foram encontrados porque os indígenas os procuraram desde o primeiro minuto. Todos os não indígenas têm uma dívida profunda com os indígenas, uma dívida que precisa se converter em ação”. Veja:
A postura da PF causou indignação.
A antropóloga Luísa Molina questionou a PF enquanto transcorria a entrevista: “Isso não é uma coletiva: é uma sessão de troca de tapinhas nas costas de um monte de homem fardado. Como se fossem os grandes heróis. E OS INDÍGENAS?!”.
O questionamento à ausência dos indígenas e à menção ao papel crucial deles foi feito pela jornalista Katy Watson, correspondente da BBC para a América Latina. A seguir, a jornalista Sonia Bridi, em seu perfil do Twitter, às 21h, manifestou-se: “Quase meia hora de agradecimentos e só agora, com a pergunta de uma jornalista estrangeira, os indígenas foram citados”.
No mesmo instante em que Bridi denunciava a postura da PF, o advogado Augusto de Arruda Botelh tuitava: “A jornalista de agora fez a pergunta que tinha que ser feita: pq não tem nenhum indígena na mesa? Pq não foi feito a eles um agradecimento?”
Pouco antes, a correspondente estrangeira Donna Bowater manifestava seu espanto: “Surreal ver autoridades brasileiras se congratularem pela busca de Dom Phillips e Bruno Pereira em entrevista coletiva para anunciar a descoberta de restos humanos”.
Diante da péssima repercussão da coletiva, Eduardo Fontes, superintende da PF no Amazonas, estrela do evento que ele mesmo organizou, desculpou-se pouco depois, conforme registrou o jornalista Caio Quero, chefe do escritório da BBC em São Paulo: “Superintende da PF diz que foi um ‘equívoco’ não ter mencionado ajuda de indígenas nas buscas por Bruno Pereira e Dom Phillips”.
Veja alguns tuítes: