Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Facebook –
1 – É ridícula, ou desonesta, a interpretação de parte da mídia brasileira que aponta “divisão” na recém-terminada eleição argentina. O peronismo venceu em PRIMEIRO turno, com 8 pontos de vantagem. Em 2015, Macri ganhou no SEGUNDO turno com menos de 3 pontos percentuais de vantagem sobre Scioli (peronista) e os paspalhos daqui não falaram em “divisão”.
2 – Dois motes foram utilizados para definir o que estava em jogo: cimento (Macri) x Geladeira (leia-se fome, Alberto Fernandez). O outro, mais eleitoral e ao fim,mais decisivo, era sobre Cristina Kirchner. “Difícil com ela, impossível sem ela”, sobre a alta rejeição que poderia impedir no segundo turno uma volta à Casa Rosada mas que dava como inevitável que nenhum candidato contra Macri poderia triunfar sem o apoio de Cristina.
Antes que apressadinhos equivocados transportem a equação para Brasil e Lula, anote-se que o principal nome fora do PT em termos eleitorais é Ciro Gomes, com seus eternos 12% em disputas presidenciais.Mesmo confinado nesse cercadinho, Ciro insiste em hostilizar Lula e PT.
Obviamente, pela esquerda ou mesmo centro-esquerda não terá nenhuma chance de entrar no Planalto sem o aval de Lula. Daí que apostou na loucura de surfar no antipetismo.
3 – O grande problema da chapa vencedora agora será administrar o caos de destruição deixado pelo neoliberalismo. Fernandez não vai ou quer dar calote no FMI mas terá que renegociar o pagamento previsto para curto prazo. Precisa de uma folga para implementar algumas medidas sociais imediatamente para conter o assustador crescimento de pobreza e indigência dos argentinos.
4 – No campo político, na verdade ninguém sabe como se dará a convivência entre Alberto, um peronista mais “cordato” embora firme, e Cristina, mais carismática e de posições mais à esquerda. É importante anotar que na Argentina
constitucionalmente o vice não é decorativo como no Brasil. Cristina, entre outras funções, controlará a pauta do Senado, por exemplo.
5 – Pouco falado na mídia brasileira, Sérgio Massa provavelmente será o presidente da Câmara dos Deputados. Massa foi importantíssimo na vitória de ontem. Peronista mais à direita, havia rompido com Cristina e concorreu à presidência em 2015, quando obteve impressionantes 21% dos votos.
Há quem na Argentina chute que Massa agregou de 8 a 10 pontos para Alberto e Cristina. Massa sonha com a Casa Rosada, é jovem e até simpático aos grandes grupos de comunicação.Olho em Sérgio Massa.
6 – Do lado do kirchnerismo, desponta como vencedor Axel Kicillof, ex-ministro de Economia dos anos k e que ontem derrotou Maria Eugenia Vidal na luta pela Provincia (Estado) de Buenos Aires. Vidal era a queridinha da grande mídia argentina e apontada como provável sucessora de Macri nas forças de direita. Kicillof é fiel a Cristina, também jovem, bem à esquerda e entra de vez no rol das grandes lideranças do peronismo agora oficialista.
7 – Macri não está morto e nem é Bolsonaro. Perder com 40% não é desastroso. Importante reforçar que Macri é um neoliberal e esnobe, mas não é fascista como Bolsonaro,
8 – A eleição argentina consagrou os institutos de pesquisa brasileiros. Os levantamentos lá erraram no primeiro e segundo turnos. Na primeira volta, nenhum previu a avassaladora onda Alberto-Cristina. Ontem, maximizaram a vantagem dos peronistas. Erros de tamanho que nem DataFolha ou Ibope cometeram aqui.
Mais pobre ainda, inventam desculpas extemporâneas (como mudanças de estratificação social ainda não computadas estatisticamente ou aumento imprevisto de comparecimento de eleitores, Balela. Erraram feio. No Brasil, daria CPI.
9 – A esquerda pura (alô, PSOL) teve, como cá, um desempenho eleitoral ridículo. O “pueblo” foi com os peronistas, como sempre.
10 – O triunfo peronista foi assegurado na Grande Buenos Aires. Em cidades importantes como Cordoba, Macri foi bem. Ironicamente, na terra do histórico Cordobazo e de Agustin Tosco, o que de mais revolucionário teve até hoje o sindicalismo argentino,
Assim como o Brasil, a Argentina não é para amadores.