PILSNER: “não tomarás seu santo nome em vão”

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Por Wilson Renato Pereira, jornalista, psicanalista e “cervejista” – 

Se a algum cervejeiro autêntico for dada a tarefa de escrever os mandamentos da cerveja, certamente um dos primeiros vai se referir ao estilo Pilsner e será, bem a propósito: ”não tomarás seu santo nome em vão”, com inspiração nas tábuas de Moisés.




Não há nada mais chocante (com duplo sentido) para um bom apreciador de cerveja de qualidade, do que a heresia que se comete por aí, especialmente no Brasil, chamando insossas e misturadas “louras geladas” industriais de Pilsen. Até a identificação é mal feita, pois Pilsen, na verdade, é o nome da cidade da República Tcheca onde nasceu o estilo “Pilsner”, em 1842.

Pilsner Urquell 2 (1)Um pouco de história é interessante para ilustrar o assunto. Em meados do século XIX, a população da Bohemia se revoltou contra a péssima qualidade da bebida produzida pelas cervejarias da região, invadindo fábricas, retirando tonéis estocados e entornando todo o seu conteúdo na praça principal das cidades.

Para amenizar a situação, as autoridades locais mandaram vir da vizinha região da Bavaria, na Alemanha, o mestre cervejeiro Josef Gröll, que lá produzia uma cerveja leve, clara e saborosa, com uma bela espuma branca e persistente, maturada nas gélidas cavernas dos Alpes. Nascia, assim, a Pilsner que veio, também, contribuir para valorizar o célebre cristal da Bohemia, por causa da sua cor dourada e límpida. A Urquell, que significa “original”, em tcheco, foi a primeira delas.

Mais famoso em todo o mundo, esse estilo é frequentemente confundido com o Standard Light Lager. Neste último estão classificadas bebidas mistas de cevada e cereais não malteados (milho, arroz etc), como as brasileiras Brahma, Skol, Antarctica, Schin, Itaipava, Bavaria, Bohemia e outras, inclusive a Budwiser, cujo nome foi apropriado da tradicional cerveja tcheca de mesma grafia, gerando um grande e demorado processo judicial entre os fabricantes para uso da marca.

No Brasil, temos excelentes exemplares de Pilsner. Entre eles, está o da cervejaria mineira Wäls , campeã do 1º. Concurso Nacional de Cerveja, realizado em Blumenau, ano passado.  Ela recebeu a maior pontuação entre todas as concorrentes, inclusive de outros estilos, por um júri de vinte especialistas, cinco deles internacionais. A receita da Wäls é a tradicional do estilo, mas o diferencial está na qualidade do malte alemão e do lúpulo tcheco utilizados e no processo de fabricação desenvolvido pela empresa, guardado a sete chaves.

Na classificação do BJCP (Beer Judge Certification Program), existem dois tipos de cervejas representantes do estilo: a German Pilsner e a Bohemian Pilsner. O primeiro deve ter amargor entre 25-45 IBU (International Bitterness Unit) e, o segundo, entre 35-45 IBU. As Pilsner, em geral, são produzidas combinando lúpulos como o Saaz, Tettnanger, Spalt, Hersbrucker, Hallertau, Nugget, Cluster e Perle. O normal é utilizar pelo menos dois deles, um para fornecer amargor, como o Cluster, e outro o aroma, como o Saaz.

A Pilsner, como toda cerveja de baixa fermentação (Lager), deve ter a temperatura controlada entre 10 e 12 graus durante o processo. A graduação alcoólica deve ficar entre 4,2% e 5,4%, conforme o teor do extrato de malte e deve ser bebida gelada, entre 3 e 6 graus centígrados. A sua cor, segundo o padrão SRM (Standard Reference Method), fica entre as escalas 2-5 (German Pilsner) e 3,5-6 (Bohemian Pilsner).

Sintetizando, o estilo é caracterizado por uma cerveja com notáveis aromas de lúpulo, sabor bem mais acentuado de malte, espuma persistente. O que diferencia uma Pilsner alemã de uma tcheca é, basicamente, que esta última tem coloração dourada mais escura, aroma de malte (perceptível como pão ou biscoito) e herbal (vindo do lúpulo). Seu amargor, embora notado com facilidade, fica em equilíbrio com o doce do malte. Já as versões alemãs costumam ser mais claras, apresentar notas florais de lúpulo, amargor dominante e final mais seco. Ambas, em comparação com as “louras geladas” (Standard Lager ou Premium Lager), se diferenciam pelo aroma de malte e amargor mais acentuados.

A cerveja, além da bebida alcoólica mais consumida, também é a mais democrática, graças à possibilidade de fabricação em qualquer lugar do planeta, aos quase cem estilos e às milhares de marcas existentes. Há cervejas para qualquer gosto e momento, desde uma Russian Imperial Stout de mais de 12 graus centígrados de álcool, bastante encorpada e adequada para clima frio, como as refrescantes Lager tipo Heineken e Itaipava, de baixo teor alcoólico, muito leves e próprias para consumo em dias de calor.

No caso da Pilsner, talvez a mais icônica das nossas cervejas, além da qualidade da bebida, importante é a identificação correta nos rótulos para que o consumidor não beba gato por lebre e o nome do estilo seja confundido, com risco de vulgarização.

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