Pipa d’água

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Por Marco Aurélio Vasconcellos, cantor, compositor, poeta e cronista

A voz rouca e pigarrenta do avô, vez por outra, ecoava lá do galpão: “Xiru!  Encilha o petiço, atrela na pipa e vai buscar água na cacimba!”  Ordem era ordem. E lá ia eu, contrariado, para a faina de abastecer as casas, tendo de abandonar o tiro ao alvo com bodoque e bolinhas de cinamomo.




Aquela lida produzia em mim um duplo sentimento: de satisfação, por cavalgar o petiço pipeiro coxilha abaixo, puxando aquela tralha acomodada na forquilha de camboatá; e de contrariedade, por precisar erguer, repetidas vezes, a grande lata d’água, desde a boca da cacimba até a pequena abertura  da pipa, tapada com a estopa coadora de impurezas.

E isto sem falar no dó que me dava, na volta, ver o peticito lubuno, músculos retesados, forcejando lomba acima pela cicatriz do caminho.

Chegando lá embaixo, eu manobrava a pipa, para ficar à feição de receber a carga. Eu já sabia tudo de cor e salteado: vinte latadas davam pipa cheia; a cada cinco cargas de lata, descanso; na décima carga, intervalo longo, para sentar a poeira limosa e esperar crescer o volume d’água da cacimba.

Enquanto isso, eu ficava a observar as estripulias das rãs pernudas em torno do olho d’água, lá no fundo. Depois, eram mais dez exaustivas latadas e o serviço concluído. Respirando fundo, eu montava no lubuno e com a varinha de marmelo o estimulava a enfrentar o odioso caminho de retorno.

De volta às casas, desatrelava o infeliz e devolvia-o ao paraíso do potreiro.

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