Bolsonaristas, bancada ruralista e centrão votam a favor de proposta no Senado; texto segue para a Câmara
Por Alice Andersen, compartilhado de Fórum
na foto: 54 senadores votaram a favor do licenciamento ambiental.Créditos: Waldemir Barreto/Agência Senado
O Senado aprovou nesta quarta-feira (21), por 54 votos a 13, o Projeto de Lei 2.159/2021, chamado por ambientalistas como “PL da Devastação”. A proposta institui a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA), que, segundo especialistas e organizações da sociedade civil, é um dos maiores retrocessos ambientais da história recente do país. Com mudanças em relação ao texto original aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto retorna agora à análise dos deputados.
Quase duas décadas após sua apresentação, em 2004, o PL ganhou velocidade nos últimos anos, impulsionado pelo apoio de Davi Alcolumbre (União-AP), da bancada ruralista e de setores empresariais ligados à mineração e à indústria. A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura no governo Bolsonaro e uma das principais articuladoras do agronegócio, assumiu a relatoria no Plenário.
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha se posicionado contra esses dispositivos em decisões anteriores, a maioria dos senadores desconsiderou tais posicionamentos. Por isso, uma futura lei pode vir a ser questionada judicialmente.
O PT foi o único partido a indicar voto contrário. PDT, PSB e o governo liberaram seus parlamentares, enquanto todos os outros partidos orientaram pela aprovação. A Fórum mostra abaixo aqueles que votaram a favor do retrocesso ambiental histórico.
Confira:
- Alan Rick (União Brasil)
- Angelo Coronel (PSD)
- Astronauta Marcos Pontes (PL)
- Carlos Portinho (PL)
- Carlos Viana (Podemos)
- Chico Rodrigues (União Brasil)
- Ciro Nogueira (Progressistas)
- Cleitinho (Republicanos)
- Confúcio Moura (MDB)
- Damares Alves (Republicanos)
- Dr. Hiran (PP)
- Dra. Eudócia (PSB)
- Eduardo Braga (MDB)
- Eduardo Girão (Novo)
- Efraim Filho (União Brasil)
- Esperidião Amin (PP)
- Fernando Farias (MDB)
- Flávio Bolsonaro (PL)
- Hamilton Mourão (Republicanos)
- Irajá (PSD)
- Ivete da Silveira (MDB)
- Izalci Lucas (PSDB)
- Jader Barbalho (MDB)
- Jaime Bagattoli (PL)
- Jayme Campos (União Brasil)
- Jorge Seif (PL)
- Jussara Lima (PSD)
- Laércio Oliveira (PP)
- Lucas Barreto (PSD)
- Luis Carlos Heinze (PP)
- Magno Malta (PL)
- Marcelo Castro (MDB)
- Marcio Bittar (União Brasil)
- Marcos Rogério (PL)
- Marcos do Val (Podemos)
- Margareth Buzetti (PSD)
- Mecias de Jesus (Republicanos)
- Nelsinho Trad (PSD)
- Omar Aziz (PSD)
- Oriovisto Guimarães (Podemos)
- Renan Calheiros (MDB)
- Rogério Marinho (PL)
- Sergio Moro (União Brasil)
- Soraya Thronicke (União Brasil)
- Styvenson Valentim (Podemos)
- Sérgio Petecão (PSD)
- Plinio Valério (PSDB)
- Professora Dorinha Seabra (União Brasil)
- Tereza Cristina (PP)
- Vanderlan Cardoso (PSD)
- Wellington Fagundes (PL)
- Weverton (PDT)
- Wilder Morais (PL)
- Zequinha Marinho (PL)
Veja aqui o placar completo da votação no Senado.
PL pior que o da Câmara
O Instituto Socioambiental (ISA) publicou nesta semana uma análise que aponta que o projeto, se aprovado, poderá comprometer mais de 3 mil áreas protegidas — como Terras Indígenas (TI) e Territórios Quilombolas — e causar o desmatamento de uma área do tamanho do Paraná. O PL pode intensificar ainda mais o desmatamento descontrolado na Amazônia e comprometer as metas climáticas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris, além de elevar o risco de novos desastres socioambientais, como os que ocorreram em Brumadinho e Mariana, em Minas Gerais.
Estudo do ISA aponta que o novo marco pode reduzir drasticamente o número de áreas protegidas na Amazônia Legal, de 277 para apenas 102. Cerca de 18 milhões de hectares — o equivalente a todo o estado do Paraná — ficam vulneráveis à degradação. A proposta também exclui do processo de licenciamento um terço das Terras Indígenas e cerca de 80% dos territórios quilombolas, se essas áreas ainda não forem oficialmente demarcadas.
Um dos pontos mais criticados do projeto é a ampliação da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Antes restrita a empreendimentos de baixo impacto, a LAC agora poderá ser aplicada a obras de médio porte, desde que não envolvam áreas consideradas frágeis — algo que, na prática, pode deixar de fora uma avaliação rigorosa sobre os impactos ambientais reais. Trata-se de uma forma de “autolicenciamento”, onde o próprio empreendedor se compromete, por autodeclaração, a cumprir regras estabelecidas, sem a necessidade de análise prévia aprofundada.
Segundo Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, o texto aprovado fragiliza o papel das instituições de controle, como o próprio Ibama, que já enfrenta um déficit de 4 mil servidores e conta hoje com apenas 200 analistas ambientais para fiscalizar milhares de processos. O Ministério do Meio Ambiente, chefiado por Marina Silva, manifestou repúdio ao projeto em nota oficial publicada nesta quarta-feira (21), classificando a proposta como uma ameaça à segurança ambiental do Brasil.
O texto afirma que o PL “viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, que vem sendo consolidado na jurisprudência brasileira, segundo o qual o Estado não pode adotar medidas que enfraqueçam direitos”. A pasta destaca ainda que a proposta “contraria decisões do STF que reconheceram a inconstitucionalidade da LAC para atividades de médio impacto ambiental”.
Veja a nota na íntegra:
“Em trâmite no Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que dispõe sobre o licenciamento ambiental, representa desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país. Além disso, afronta diretamente a Constituição Federal, que no artigo 225 garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de qualquer obra ou atividade que possa causar prejuízos ambientais.
O texto também viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, que vem sendo consolidado na jurisprudência brasileira, segundo o qual o Estado não pode adotar medidas que enfraqueçam direitos. Contraria, ainda, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceram a inconstitucionalidade da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio impacto ambiental.
Ao permitir que a definição de atividades sujeitas ao licenciamento ambiental ocorra sem coordenação nacional e fora do âmbito de órgãos colegiados, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e os Conselhos Estaduais e Municipais, o projeto pode promover a ação descoordenada entre União, Estados e Municípios no processo de licenciamento ambiental e desarticular os mecanismos de participação social. O PL é, por fim, omisso em relação à crise climática, sem sequer mencionar a questão em seu conteúdo, fazendo com que o processo de licenciamento desconsidere esse tema crucial.
Portanto, a proposta terá impacto negativo para a gestão socioambiental, além de provocar, possivelmente, altos índices de judicialização, o que tornará o processo de licenciamento ambiental mais moroso e oneroso para a sociedade e para o Estado brasileiro.
É fundamental que o Poder Legislativo assegure o equilíbrio entre a celeridade desejada pelos setores produtivos e a necessidade de preservar os instrumentos essenciais à proteção ambiental. Um marco legal eficaz deve promover o desenvolvimento sustentável com base em critérios técnicos, transparência e responsabilidade institucional, em consonância com os princípios constitucionais que regem a tutela do meio ambiente.
A seguir, os principais retrocessos trazidos pelo PL 2.159/2021:
Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
Um dos pontos mais críticos do PL é a aplicação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), modalidade simplificada de licenciamento baseada na autodeclaração do empreendedor. A proposta permite que empreendimentos de médio porte e potencial poluidor utilizem esse mecanismo sem a exigência de estudos prévios de impacto e sem a definição de condicionantes ambientais específicas.
Na prática, o texto permitiria o uso da LAC para um percentual expressivo de empreendimentos que atualmente são licenciados. Além disso, esses empreendimentos seriam monitorados por amostragem, dispensando a necessidade de fiscalização, pelo órgão ambiental, de todos os empreendimentos licenciados por essa modalidade.
A proposta também prevê a aplicação da LAC a projetos como duplicação de rodovias e dragagens, inclusive em regiões sensíveis e habitadas por comunidades vulneráveis, que podem ser autorizados sem qualquer análise técnica prévia, aumentando o risco de danos ambientais e sociais.
Outra questão alarmante é a utilização da LAC como instrumento de regularização de empreendimentos em operação sem qualquer licença ambiental. Para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), a LAC deveria ser adotada somente para projetos de pequeno porte, baixo impacto e que não envolvam áreas sensíveis, sempre com verificação do Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE) por parte do órgão licenciador.
Fragilização do SISNAMA e do papel do ICMBio
O PL retira atribuições técnicas e normativas dos órgãos colegiados do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e os Conselhos Estaduais. Ao transferir competências decisórias para entes federativos de forma descoordenada, pode estimular uma “concorrência antiambiental” entre estados e municípios, que, no intento de atrair mais investimentos, poderão oferecer flexibilizações e padrões menos rigorosos que os municípios ou estados vizinhos, comprometendo a uniformidade dos critérios e a efetividade da fiscalização.
Além disso, o texto enfraquece o papel do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ao permitir que empreendimentos em unidades de conservação sejam licenciados sem a manifestação obrigatória prévia do órgão gestor da área. Segundo o MMA, tal alteração representa o enfraquecimento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e abre margem para que empreendimentos impactem diretamente áreas protegidas, como Parques Nacionais e Estações Ecológicas Federais, sem o devido controle.
De modo similar, a proposta determina que a manifestação dos órgãos competentes pela proteção de Terras Indígenas ocorreria somente em relação a áreas homologadas e territórios quilombolas já titulados. A não conclusão do processo de reconhecimento formal dos territórios indígenas ou quilombolas pelo Estado não significa que neles não existam comunidades que devem ser ouvidas, conforme determina a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. O descumprimento desse direito pode gerar questionamentos judiciais que provocarão atrasos e conflitos para o processo de licenciamento.
Omissão ante impactos indiretos e sinérgicos
Outro ponto apontado como retrocesso é a exclusão, pelo PL, das áreas de influência indireta (AII) nos estudos de impacto ambiental. A medida compromete a análise de impactos cumulativos, como desmatamento, pressão sobre comunidades indígenas, contaminação de corpos d’água e grilagem de terras — frequentemente decorrentes de grandes empreendimentos como hidrelétricas, estradas e portos.
Para o MMA, a impossibilidade de prever e mitigar esses impactos prejudica a capacidade do Estado de garantir o equilíbrio ecológico e a justiça socioambiental, ampliando o risco de judicialização e atrasos nos projetos.
Questionamento de condicionantes e dispensa para atividades agropecuárias
Além disso, a proposta admite que os empreendedores questionem o estabelecimento de condicionantes ambientais de impactos indiretos com base na ausência de “nexo causal comprovado” ou por não terem “poder de polícia” sobre as ações de terceiros.
A comprovação do nexo causal direto pode dificultar ou inviabilizar a imposição de medidas preventivas e compensatórias, tendo como exemplo o caso da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em que a dificuldade em atribuir responsabilidade por impactos indiretos comprometeu a reparação de danos às comunidades afetadas e ao meio ambiente.
A possibilidade de que o empreendedor questione condicionantes sob o argumento de não ter ingerência sobre terceiros ou poder de polícia traz uma ampla gama de possibilidades de questionamentos com o potencial de gerar dúvidas, resultando em insegurança jurídica e maiores prazos para o processo.
O PL prevê ainda que atividades como agricultura e pecuária sejam dispensadas de licenciamento ambiental caso estejam inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou aderidas ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). O MMA alerta que esses instrumentos não avaliam impactos como uso excessivo de água, poluição do solo e pressão sobre áreas de preservação, podendo legitimar danos significativos sem análise técnica.