Por Helena Sthephanowitz, para a RBA –
Presidente da Câmara aparece como “padrinho” de doações vultosas para os partidos que compõem a chamada “bancada do Cunha”, que vota com o chefe sem questionar
Uma das várias planilhas apreendidas em um escritório no Rio de Janeiro do executivo da Odebrecht Benedicto Barbosa da Silva Júnior na 23ª fase da Operação Lava Jato demonstra de forma cristalina o que todo o meio político de Brasília sabia, mas faltavam provas materiais: o poder do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sobre bancadas de parlamentares emanou do dinheiro.
Trata-se de uma planilha de controle sobre doações oficiais nas eleições de 2010. Até aí nada de mais – a aberração do financiamento empresarial de campanha deixou de ser legal só no ano passado.
A novidade é uma coluna da planilha em que é mostrado o beneficiário da doação (veja imagem abaixo). Note que a planilha chama de beneficiário nem sempre a candidatura ou partido que recebe o dinheiro, mas em alguns casos o “padrinho” da doação.
Eduardo Cunha aparece como beneficiário de uma doação do Grupo Odebrecht de R$ 1,1 milhão para seu partido, o PMDB. Se foi ou não devidamente registrada é outra discussão e deverá ser objeto de novas investigações. O curioso é ele aparecer como “padrinho” de uma doação bem maior, de R$ 3 milhões, para o diretório nacional do PSC, atual partido do deputado Jair Bolsonaro. Cunha aparece também na planilha como “padrinho” de outra doação, de R$ 900 mil, para o PR.
Ou seja, só por essas indicações na planilha, em 2010 Eduardo Cunha operou como captador de R$ 5 milhões – isso apenas junto ao Grupo Odebrecht – para três partidos, justamente os que em Brasília compõem a chamada “bancada do Cunha”, ou seja, o grupo de parlamentares de vários estados que acompanha fielmente a liderança do atual presidente da Câmara em todas as votações.
Ainda não há conhecimento sobre planilhas das eleições de 2014, mas é conversa corrente nos corredores do Congresso que Cunha captou mais doações de campanha para eleger uma bancada bem maior que a de 2010. Daí a facilidade com que se elegeu presidente da Câmara e fez passar projetos do interesse dos financiadores de campanha e contra os trabalhadores, tais como a terceirização ilimitada da mão de obra em toda a cadeia produtiva.
Fez passar também a chamada “PEC da Corrupção”, que tentou constitucionalizar o financiamento empresarial de campanha. Uma forma de perpetuar-se no poder político através do poder econômico, a raiz da corrupção. Mas, neste caso, a vitória virou derrota quando o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional as empresas financiarem candidatos e partidos.
Lideranças políticas captarem doações de campanha, enquanto eram permitidas por lei, não era crime, pelo contrário. Era a regra a ser seguida por todos. Cunha não era o único. O que chama atenção no caso dele é captar quase o triplo para outro partido que não era o seu. E chama mais atenção ainda sua própria atuação parlamentar.
Cunha ficou conhecido por articular emendas e fazer votar matérias muitas vezes contrárias aos interesses de seus próprios eleitores. Na Operação Lava Jato, a Procuradoria-Geral da República o denunciou por usar requerimentos na Câmara como forma de pressão para receber propinas de fornecedores da Petrobras.
Sob sua liderança, o processo de cassação de seu mandato no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, devido ao flagrante de contas clandestinas na Suíça, tem andado a passos de tartaruga, por meio de uma sucessão sem fim de manobras. Enquanto isso, ele continua no comando do golpe do impeachment contra uma presidenta sobre quem não há nenhuma acusação, não tem contas na Suíça e nem cometeu crime de responsabilidade.
As planilhas da Odebrecht mostram pelo menos 316 políticos financiados, de 24 partidos diferentes. Óbvio que valores declarados à Justiça Eleitoral são legais, e óbvio que existem políticos que apenas são desenvolvimentistas para empreiteiras verem sinergia do mandato com suas atividades, sem se envolverem em atos de corrupção.
Mas muitos outros políticos são corruptos e colocam seus mandatos a serviço do dinheiro, enganando seus próprios eleitores. E é óbvio que a Odebrecht é apenas uma das várias grandes empresas, inclusive de outros setores, como o financeiro, que mantêm ou mantiveram esse sistema político impregnado de corrupção, e tão disfuncional que levou Eduardo Cunha à presidência da Câmara, por exemplo.
Mesmo com as ressalvas acima, a lista da Odebrecht mostra com rara clareza que o golpe do impeachment, além de golpe, é uma enorme farsa, pois é a luta de corruptos pela tomada do poder Executivo.
A farsa do golpe é tão grande, que em sua edição de ontem (23) o Jornal Nacional, da TV Globo, censurou nomes de políticos na notícia da lista da Odebrecht. O mesmo fez o Jornal das Dez, do canal global pago, a GloboNews. Um escândalo e uma desfaçatez, já que as planilhas da empreiteira já haviam circulado viralmente pela internet, até que o juiz Sérgio Moro voltou atrás em sua decisão e determinou, tardiamente, o sigilo do material.
A exposição da tal lista iria desmanchar o enredo do golpe. Nela não aparece nem Dilma, nem Lula, mas sim centenas de caciques da oposição no Congresso Nacional – justamente os que votarão no processo de impeachment.
O telejornal se negou a noticiar a lista em detalhes alegando que “não haveria tempo para falar dos mais de 200 nomes da lista”. Ora, para fazer um jornalismo honesto, em vez de golpista, bastaria dizer os principais nomes e os maiores valores, tais como Aécio Neves (PSDB-MG), Geraldo Alckmin e José Serra (PSDB-SP), o próprio Eduardo Cunha, governadores, prefeitos de capitais etc. E no final da notícia dizer que a lista completa estaria no site do telejornal (que aliás não está).
Parece que a blindagem do Jornal Nacional não adiantou em Recife (PR). Ontem mesmo, no aeroporto de Guararapes, os deputados Jarbas Vasconcelos (PMDB) e Sílvio Costa (PTdoB), além do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB) foram homenageados por populares aos gritos de “ladrão” e “filho da p…”. Vasconcelos e Bezerra Coelho estão na planilha.
Demonizaram tanto a atividade política, sem fazer as reformas necessárias, que fatalmente a agenda do impeachment volta-se agora contra os próprios políticos.