Por René Ruschel, compartilhado de Carta Capital –
‘Os militares não são educados, mas doutrinados. Somos treinados apenas para o combate, para o confronto’, diz o policial
Aos 29 anos, o aspirante a oficial da Polícia Militar do Paraná Martel Alexandre del Colle está aposentado. Afastado da corporação desde o final de 2018, recebeu, em setembro último, a intimação oficial. O motivo alegado pela PM é depressão. “Soube da notícia por intermédio de uma amiga, também militar, que ouviu no quartel”, afirma.
Agora, del Colle corre o risco de perder a aposentadoria e ser expulso da corporação. Um auto de sindicância da PM datado de 16 de janeiro o convocou a comparecer perante o Conselho de Disciplina para uma “audiência de qualificação”, onde foi “acusado oficialmente (…) de ter produzido diversos textos, além de um vídeo publicado no YouTube, trazendo a conhecimento público imputações graves contra a instituição, bem como em desfavor de autoridades civis constituídas”.
O histórico do oficial na corporação sempre contrariou as normas da caserna. Aberto ao diálogo, desde os tempos da academia preparatória se mostrou disposto a ouvir seus comandados. “Muitos colegas que foram meus subalternos costumam dizer que nunca tinham encontrado um superior que os ouvisse”, diz.
Ainda estudante percebia e questionava algumas decisões castrenses. “Era muito jovem, 18 anos, e tudo aquilo era novidade. O regime militar tem suas normas e para sobreviver lá dentro é preciso acatar. Eu fui aprendendo a reagir, embora discordasse de muitas coisas.”
Após uma década de experiência, del Colle reconhece que a formação dos cadetes, e mesmo de policiais com menor graduação, deixa a desejar. “Os militares não são educados, mas doutrinados. Somos treinados apenas para o combate, para o confronto. O pensamento é estritamente sob o viés militar. Ninguém sai de lá com a percepção social ou política do que se passa no mundo. Os alunos deveriam sair das escolas militares para conhecer a realidade.”
Conta que, já oficial, visitou um acampamento do MST e viu que as condições de vida e sobrevivência eram as piores possíveis. “Muito diferente de tudo o que ouvia dos meus comandantes e colegas de farda.”
Sugere que os cursos de formação de oficiais deveriam estar atrelados às universidades. “Os policiais são formados longe da sociedade, dentro dos quartéis, em um mundo à parte sob um regime de ideologia única.” Disciplinas como sociologia, psicologia, filosofia e direitos humanos fazem parte da grade curricular, porém são aplicadas por militares. “Seria importante que os alunos militares estudassem com professores universitários. Que pudessem debater com jovens de pensamentos diversos para entender o que se passa no dia a dia. Apenas matérias de cunho militar seriam ofertadas pela Policia Militar.”
Lavagem cerebral
O curso na academia militar é de 3 anos, em regime de internato, onde convivem entre si com uma realidade muitas vezes diversa do que se passa do outro lado dos muros. Uma verdadeira lavagem cerebral. Ali prevalece a tese que “bandido bom é bandido morto”. No campo de ação, são ensinados que apenas os fortes irão sobreviver e se destacar na carreira. Essa prática faz com que a quase totalidade dos estudantes, ao deixar a academia, queira atuar no que chamam de operacional. “Estar na rua, no confronto direto com bandidos é o sonho da maioria destes jovens. Principalmente fazer parte das chamadas tropas de elite, que agem como batalhões de choque. Os setores administrativos e inclusive de inteligência são considerados de menor importância”.
Toda essa postura não nasce, segundo ele, com os policiais, mas é a estrutura da PM que os incentiva a serem duros. No Paraná, um episódio acontecido em 2018 mostra essa realidade. Em edital de concurso da Policia Militar, um dos itens exigia dos candidatos “masculinidade, capacidade de o indivíduo não se impressionar com cenas violentas, não se emocionar facilmente, tampouco mostrar interesse em histórias românticas e de amor”.