Por Sarah Furtado, especial para Ponte Jornalismo –
Militares questionam conteúdo do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos que trata da Ditadura Militar, pedindo a retirada de expressões como ‘repressão’ e que seja abordado ‘o outro lado da história’
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo recebeu, na manhã de ontem (23), a 21ª audiência pública para discussão do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos. Mais uma vez, a presença massiva de policiais militares marcou um dia de votação. Dentre eles, apenas três usavam farda.
As ofensivas acompanham o processo desde o processo de construção do texto-base do Plano, principalmente no que se refere ao eixo de Segurança e Sistema de Justiça. A definição foi elaborada com a participação de movimentos sociais, do Ministério Público, Defensoria Pública e das academias da Polícia Militar e Polícia Civil. Desde esse primeiro momento, a Polícia Militar tem dominado o cenário e contestado a meta do plano de segurança que assegurava a presença de 1/3 de participantes de movimentos sociais, sindicais e de fora da academia atuando na formação dos profissionais.
Apesar dos questionamentos dos policiais, que alegam que falta base científica para tal decisão, a coordenação do plano manteve a meta no texto-base. Depois disso, a Polícia Militar passou a frequentar, em peso, as audiências públicas, pressionando a modificação da meta por meio dos votos consultivos, como aconteceu ontem.
Durante a discussão, um dos militares questionou o uso da expressão “ditadura militar”, em vez de “regime de exceção”. O grupo criticou a ausência, no Plano, do que chamou de “outro lado da história”, no que se refere ao regime ditatorial que teve início com o Golpe Militar de 1964 no Brasil.
No momento de votação, os PMs ainda se organizaram em defesa da retirada do termo “repressão” ao se abordar o período, votaram pela mudança do termo “movimentos sociais” para “sociedade civil organizada”, e pela não abordagem de questões de gênero no ensino básico. As três propostas foram aprovadas mediante grande adesão de votantes da polícia militar.
“Eles votaram em peso, de forma organizada, porque vêm em grupo”, afirma Marisa Feffermann, da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio.
Entretanto, tais votações são consultivas, ou seja, os dados constarão na ata da audiência, mas é o Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo) quem delibera e sistematiza a decisão final do texto-base.
“Nada que violar documentos nacionais e internacionais de direitos humanos será colocado no documento. A não ser que o Brasil revogue os tratados internacionais de direitos humanos que foram assinados, o que não vai acontecer”, afirma Francisca Rodrigues Pini, integrante da Coordenação do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos e do Comitê Estadual de Direitos Humanos.
Não é a primeira vez que a Polícia Militar se organiza para marcar presença nas audiências que discutem o Plano Estadual de Educação em Direito Humanos. Os encontros contam, desde o início, com a participação de diversos órgãos da sociedade envolvidos com direitos humanos. Representantes da Ouvidoria Geral da Defensoria Pública, do Ministério Público, da Secretaria de Segurança Pública, bem como representantes da educação e assistência social, foram convocados para o debate.
Apesar da forte representatividade oficial, no mês de agosto, a audiência pública realizada no campus da Unifest (Universidade Federal de São Paulo), em Santos, instaurou-se um clima de tensão e denúncias de ameaças de PMs a professores. De acordo com a Adunifesp (Associação dos Docentes da Unifesp), em nota de repúdio publicada em 14 de agosto, havia cerca de cem PMs fardados e armados no encontro e, à medida que outros grupos se posicionavam contra as ideias defendidas por eles no debate, os policiais ficavam mais agressivos e bradavam clichês conservadores, como “‘direitos humanos para humanos direitos’, ‘mudar a nomenclatura Ditadura Militar de 1964 para Revolução de 1964’ etc.”, diz a nota. Os policiais gritavam ainda frases intimidadoras, como “depois morre e não sabe o por quê” e “quando precisarem da polícia, chamem o Batman”.
“Durante todo esse período a presença de policiais militares tem sido maioria. Santos foi um divisor de águas e se destacou pela ação atabalhoada da PM e por grupos de extrema direita da sociedade civil”, afirma Maria Nazareth Cupertino, presidente do Condepe.
Durante o período de votação, após a leitura do texto-base do Plano Estadual de Educação em Direito Humanos, o clima de tensão se intensificou quando os militares tiveram uma proposta derrotada. Eles passaram, então, a usar de agressões verbais contra professores e estudantes, de acordo com a nota de repúdio da Adunifesp, que afirma que os militares intimidaram membros da associação, “fazendo pessoalmente a contagem dos votos e filmando, fotografando e olhando de modo ameaçador cada um que votava contra a posição deles”.
Segundo a Associação de Docentes, “o alto escalão das policiais militar e civil nada fez para controlar seus subordinados”. Em nota pública, a Coordenação do Geral do processo de elaboração do Plano Estadual de Ensino em Direitos Humanos endossou a postura da Adunifesp e afirmou que “continuará no trabalho de divulgação e mobilização da sociedade civil, sendo que tem se empenhado para que haja participação popular efetiva e democrática”.
“Temos percebido o quanto a polícia vem organizada, com medo de pensar uma educação de direitos humanos em diálogo com a sociedade. Vem tentando tirar propostas das nossas audiências, modificar o texto-base do plano e tudo isso tem sido altamente debitoso, porque eles acabam tendo 50%, as vezes 70% dos votos”, explica a integrante da Coordenação do Plano Estadual, Francisca Rodrigues Pini.
De acordo com a coordenação, os policiais militares se organizam na plateia, escolhem um grupo para falar e o restante faz peso durante as votações. “O mais triste é que a PM assumiu o eixo de segurança como sendo só deles. A Defensoria e o Ministério Público também faziam parte. O Tribunal não apareceu em nenhuma das fases. Então, por essa desproporcionalidade a Policia Militar tomou conta”, explica a presidente do Condepe, Maria Nazareth. Para ela, a forte adesão de PMs decorre de uma ordem de comando na instituição.
A próxima audiência pública acontecerá na quinta-feira (28), na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), das 17h às 20h, para discutir o texto final do Plano.
A reportagem enviou à Polícia Militar, por meio de sua assessoria de imprensa, os seguintes questionamentos:
- Existe alguma ordem oficial de participação de grupos de PMs durante as audiências publicas?
- Os PMs presentes que não usavam farda, receberam algum tipo de horas complementares ou certificado de horas?
- Os presentes afirmam que a PM defendeu a retirada do termo “repressão” referente à Ditadura Militar e a troca da expressão “Ditadura Militar” por “regime de exceção”. Qual é a posição da corporação sobre isso?
- De acordo com nota publicada pelo corpo docente da Unifest de Santos, durante audiência realizada no campus no mês de agosto os “militares agrediram verbalmente professores e estudantes, chamando-os – mais uma vez – de “vagabundos”. Nas votações subsequentes, intimidaram-nos fazendo pessoalmente a contagem dos votos e filmando, fotografando e olhando de modo ameaçador cada um que votava contra a posição deles. Ao longo da noite, a comunidade acadêmica correu sérios riscos”. Qual é a posição da corporação sobre esse acontecimento?
- Qual a posição da Polícia Militar sobre o Plano Educacional de Ensino em Direitos Humanos?
Até a publicação desta matéria, entretanto, não houve retorno.
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