Pnad indica aniquilamento progressivo da proteção social

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O IBGE divulgou, no último dia 31 de janeiro, a Pnad contínua relativa ao trimestre encerrado em dezembro, que traz os indicadores sociais desse período e a média do ano de 2024.

Por José Geraldo de Santana Oliveira*, compartilhado de CONTEE




Os dados revelados são, paradoxalmente, auspiciosos e danosos. Auspiciosos, conjunturalmente; e danosos, estruturalmente.

Os auspiciosos aspectos conjunturais, que alcançaram recordes em todos os quesitos da série histórica iniciada em 2012, são os seguintes:

I           taxa de desocupação (desemprego): 6,2% no quarto trimestre; 6,6% como média do ano, totalizando 7,4 milhões, sendo a menor desde o ano de 2014, quando atingiu 7 milhões de desocupados;

II      população ocupada, que representa o total da força de trabalho menos os desocupados: 103,3 milhões, equivalendo a 58,6% da população em idade de trabalhar, representando o maior patamar da série histórica. O recorde anterior fora de 2013, com 58,3%;

III         total de trabalhadores/as com carteira assinada: 39,2 milhões, com média anual de 38,7 milhões, maior número da série histórica desde 2014, quando atingiu 37,1 milhões;

IV         total de trabalhadores no serviço público: 12,7 milhões. Em 2014, totalizaram 11, milhões;

V          rendimento médio: R$ 3.225, melhor resultado da série histórica. Até então, o maior havia sido o de 2014, equivalente a R$ 3.120 (há de se anotar que houve crescimento do rendimento médio, em 2024, de trabalhadores formais e informais, o que proporcionou o crescimento da massa);

VI         massa de rendimento real habitual: R$ 328,9 bilhões, o maior da série.

Infelizmente, os auspícios resumem-se a esses dados, que, nem de longe, podem ser considerados pequenos. Ao contrário, são substanciosos.

No entanto, os dados estruturais, ao reverso, são danosos e claramente indicam aniquilamento progressivo da proteção social. E mais: representam total subversão aos fundamentos constitucionais da ordem econômica (Art.170 da CF), que é a valorização do trabalho humano; e da ordem social, que é o primado do trabalho, tendo como objetivos o bem-estar e a justiça sociais.

Ei-los:

I           total de trabalhadores sem carteira assinada: 14,2 milhões, o maior da série histórica. Em 2014, eram 10,8 milhões;

II           total de domésticos: 6 milhões, dos quais 1,4 milhão com carteira assinada. Em 2012, eram, respectivamente, 6,1 milhões e 1,3 milhão;

III         trabalhadores por conta própria: 26,1 milhões, recorde na série histórica. Em 2014, somaram 20,9 milhões;

IV         total de informais: 40,3 milhões (39% da população ocupada). Em 2014, eram 31,7 milhões, para a população ocupada de 92,2 milhões;

V          população desalentada: 3,3 milhões;

VI         população subutilizada: 19 milhões. Em 2014, somou 17,8 milhões.

Tendo por base a população ocupada de 103,3 milhões em 2024, descontando-se 4,3 milhões de empregadores, remanescem 99 milhões que são trabalhadores. Desses, somente 53,33% gozam de direitos e trabalhistas, sendo 38,7 milhões com carteira assinada no setor privado, 1,4 milhão de domésticos com carteira assinada e 12,7 milhões que trabalham no serviço público. Aos demais, são negados todos os direitos. Ou seja, acham-se alijados dos direitos trabalhistas 40,3 milhões de informais e 4,6 milhões de domésticos.

Além disso, não se pode perder de vistas que, dentre os que se acham agasalhados pelos direitos trabalhistas, incluem-se: cerca de 15 milhões de terceirizados, que o STF considera como subclasse, conforme o recurso extraordinário 635646; considerável parcela dos 19 milhões de subutilizados; e as centenas de milhares com contrato intermitente; que, de acordo com as sábias palavras o ministro Edson Fachin, nas ADIS 5826, 5829 e 6154, representam zero hora de trabalho e zero salário.

Como se constata pelo cotejo dos números de 2024 com os de 2014, dissipam-se, a olhos vistos, a proteção social e os direitos fundamentais sociais assegurados pelo Art. 7º da CF.

Em 2014, a população ocupada somou 92,2 milhões; em 2024, 103,3 milhões. Nesse período, houve crescimento de 11,1 milhões, que pouco refletiu no número de trabalhadores com carteira assinada. Em 2014, 37,1 milhões. Já em 2024, 38,7 milhões, importando crescimento de 1,6 milhão desse número.

Porém, em 2014, o número de trabalhadores sem carteira assinada totalizava 10,8 milhões; em 2024, 14,2 milhões, significando crescimento de 3,4 milhões, mais que o dobro do crescimento do total com carteira assinada.

Em 2014, o total de trabalhadores por conta própria somou 20, 9 milhões; em 2024, 26,1 milhões, representando crescimento de 5,2 milhões. Ou seja, 3,3 vezes maior que o crescimento do número de trabalhadores com carteira assinada.

Esse cenário de desolação, além de demonstrar a permanente e crescente dilapidação dos direitos trabalhistas, desautoriza e põe por terra todas as falsas promessas dos embaixadores da de/reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), que prometia criação de bons e empregos e que não haveria precarização das condições de trabalho.

Somam-se a esse quadro de desespero e desesperança os dados divulgados pela Previdência Social, contidos no seu Anuário Estatístico de 2023, segundo os quais, ao final desse ano, havia 77,8 milhões de contribuintes pagantes, neles incluídas todas as classes de contribuintes: empregados, autônomos, contribuintes individuais, MEIs, donas de casa, estudantes etc.

Incluindo-se aos 77,8 milhões de contribuintes os 40,4 milhões de beneficiários de aposentadorias – dentre os quais alguns milhões continuam contribuindo –, pensões por morte, auxílio-doença comum e acidentário, e BPCs, tem-se que, dos 212 milhões de habitantes revelados pelo último censo demográfico, pelo menos 94 milhões não se acham acobertados pelo manto protetivo da previdência social.

Esse é o quadro que reflete o Brasil real e que precisa ser enfrentado, com urgência e vigor, por todos quantos efetivamente querem construir o bem-estar e a justiça sociais, como determina o Art. 193 da CF.

Urge que o movimento sindical saia do estado letárgico em que se encontra quanto ao inadiável e vigoroso enfrentamento dessa estrutura perversa, começando por reavivar as promessas do presidente Lula, que anda deslembrado, parafraseando Guimarães Rosa, de rever a reforma trabalhista. Somente por desconhecimento ou má-fé é que não se imputa todo o peso dessa tragédia social à tal maldita reforma, que se soma à lei da terceirização sem limites e sem parâmetros (Lei 13.429/2017), e às centenas de decisões do STF voltadas para a total precarização do trabalho e dos direitos trabalhistas.

Parece que, enquanto os sindicatos não pressionarem o governo Lula e o Congresso Nacional e deixarem de refletir apenas o passado, como que a copiar as estrelas que se veem no céu, partindo para inclusão de quem não tem carteira assinada, trabalha por conta própria, é autônomo, pejota, desempregado e desalentado, assumindo sua representação e empunhando a bandeira da extensão de todos os direitos sindicais e trabalhistas a eles, não há perspectiva de mudanças estruturais positivas.

Parafraseando o inesquecível filósofo húngaro Istvan Mészáros, essa é montanha a ser conquistada.

À luta e à ação!

A hora é agora!

Se essa hora for perdida, outra pode não ser possível!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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