Poema: Zumbi
Letra: Carlos Roberto Hahn
Intérprete: Sirmar Antunes
Amadrinhador: Mário Tressoldi
No terreiro, se desfaz a madrugada
Na alvorada, há flores já murchas no chão
Ogum se foi. Ficou o Zé Francisco
O Chico empresta o cavalo pra Ogum
É dia vinte e um. É novembro, e vai nascer um outro dia
Mas a bruma esconde o sol
E o dia parece acovardado e o sol acabrunhado
Sabem que ontem foi o dia em que Zumbi morreu
Não morreu, não! Zumbi não morre!
Zumbi ninguém mata!
Não com açoite ou com chibata!
Ainda se ouvem os atabaques
e o canto do povo: “Zumbi, Zumbi, oia, Zumbi! Oia, Zumbi, mochicongo!”
Eu te permito, pai Ogum. Usa este cavalo para ver
Então vejo canaviais ondulando com o vento
O vento que move os navios-negreiros aportando em Pernambuco
Trazendo da costa da África os negros
Pobres negros.
Yorubás, angolas, congos, minas, cabindas, quiloas, monjolos…
Homens, mulheres e … até crianças!
E uma princesa. Aqualtune foi capturada
Vendida e trazida pro inferno
Vejo um senhor-de-engenho, com terno de linho branco a fumar seu charuto
Com seu chicote, um feitor acorda negros ainda não refeitos do dia anterior
Bem antes de nascer o sol
Que hoje, aliás, ainda não nasceu
Vão para os canaviais, como fossem animais
Às costas carregam medas de cana pro engenho
Moenda. Fornalha. Muito se trabalha
Pouca é a comida. A paga é nenhuma
Vão viver muito pouco
“Que morram! Na África, há muitos pretos”, saboreia o feitor
O feitor é negro, o chicote é escuro.
Na carne viva, nas costas vermelhas, o sal branco
O açúcar também é branco. A dor é preta
Vejo o açúcar nas mesas abastadas da Europa
Com seu branco, ele adoça a vida dos brancos
A Europa se lambuza com a doçura, mas não sabe do sal da chibata
Mesmo com dor no corpo e na alma, há negros que não desistem
A morte é um mal, mas é melhor que vergasta e sal
A morte também é liberdade
Vejo, bem claro, correr um menino. Livre!
Neto de Aqualtune, que os seus reúne
É Zumbi. Zumbi comanda o Quilombo dos Palmares, em Macaco, capital dos Palmares, capital da liberdade
Na Serra da Barriga, foi gestada essa liberdade
Mas a Europa queria o doce, nem que fosse com o sal nas feridas
Nem a Bula papal prescrevia remédios
O papa era Pio, mas nos engenhos não havia piedade
Ao Império, Zumbi era uma afronta
Zumbi não se entrega
A corte apela a um bandeirante feroz
Não carece dizer seu nome
Era velho e tinha alma de fel
Zumbi tinha zumbir de mel
Palmares foi dizimada
Mulheres, crianças e velhos, todos pretos
Mas Zumbi não foi encontrado
Tempos depois, atraiçoado, Zumbi foi degolado
Sua cabeça foi exposta na Capital
Para provar que o herói estava morto
Ah, mas não me levem a mal
Na versão oficial eu não acredito
Pois Ogum já tinha dito
Ogum não é São Jorge. Ogum é Ogum
Zumbi não morre, Zumbi é imortal
Zumbi nasceu livre. Viveu livre. Sempre foi livre
Está livre. Voltará livre. E vai continuar livre
Como a brisa. Mesmo que não haja sol