Por Luiz Carlos Azenha em seu Blog –
Não basta prender mercenários, é importante saber quem mandou articular tudo isso e qual foi a motivação. Mônica Benício, viúva de Marielle Franco
A vereadora Marielle Franco foi assassinada há quase um ano no Rio de Janeiro, no dia 14 de março.
Mesmo morta e, portanto, fora do caminho de quem queria se livrar dela, a máquina de moer carne da direita tentou atacá-la com uma série de mentiras nas redes sociais.
Chegaram a associá-la a um grande traficante, ao crime organizado.
Quem matou Marielle Franco pela segunda vez, nas redes sociais, o fez de maneira organizada?
As milícias do Rio são integradas por policiais e ex-policiais, que conhecem detalhadamente os métodos da própria polícia e buscam cobertura de políticos cujas campanhas financiam.
Durante as investigações aconteceu a clássica tentativa de criar um falso positivo, ou seja, sugerir falsos suspeitos com o objetivo de embaralhar o caso.
Chegou ao ponto de a Polícia Federal abrir um inquérito com o objetivo de apurar o comportamento de alguns policiais civis.
Ontem, véspera da prisão dos suspeitos, o presidente da República Jair Bolsonaro atacou no twitter a filha do jornalista Chico Otávio — e mencionou o próprio.
Otávio é um dos poucos jornalistas investigativos do Brasil capaz de ir além da polícia em suas apurações.
Um dos presos, o sargento Ronnie Lessa, mora no mesmo condomínio de Jair Bolsonaro, no Rio.
Como as prisões foram feitas nesta madrugada, é óbvio que Chico Otávio e seus colegas já tinham tido tempo para escrever as reportagens publicadas hoje no site de O Globo.
Coincidências, obviamente
PM e ex-PM são presos pelo assassinato de Marielle Franco
Sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa teve a prisão preventiva decretada pelo juiz-substituto do 4º Tribunal do Júri
Chico Otávio, Vera Araújo e Arthur Leal, em O Globo
RIO – A Delegacia de Homicídios (DH) da Capital e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ) prenderam na manhã desta terça-feira o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, de 46 anos, por envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.
Na quinta-feira, os assassinatos completam um ano. Os dois tiveram a prisão preventiva decretada pelo juiz substituto do 4º Tribunal do Júri Gustavo Kalil, após denúncia da promotoria.
Segundo a denúncia do MP do Rio, Lessa teria atirado nas vítimas, e Elcio era quem dirigia o Cobalt prata usado na emboscada. O segundo acusado foi expulso da corporação.
Segundo a denúncia das promotoras Simone Sibilio e Leticia Emile, o crime foi “meticulosamente” planejado três meses antes.
Além das prisões, a operação busca cumprir mandados de busca e apreensão nos endereços dos denunciados para apreender documentos, telefones celulares, notebooks, computadores, armas, acessórios, munições e outros objetos.
Lessa e Elcio foram denunciados pelo assassinato e também pela tentativa de homicídio de Fernanda Chaves, assessora da vereadora que sobreviveu ao ataque.
A ação foi batizada de Operação Buraco do Lume, em referência ao local no Centro de mesmo nome, na Rua São José, onde Marielle prestava contas à população sobre medidas tomadas em seu mandato. Ali ela desenvolvia também o projeto Lume Feminista.
Os denunciados foram presos às 4h desta madrugada.
As promotoras pedem ainda a suspensão da remuneração e do porte de arma de fogo de Lessa.
Também foi requerida a indenização por danos morais aos familiares das vítimas e a fixação de pensão em favor do filho menor do motorista Anderson até completar 24 anos de idade. Em certo trecho da denúncia, elas ressaltaram: “É inconteste que Marielle Francisco da Silva foi sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia. A barbárie praticada na noite de 14 de março de 2018 foi um golpe ao Estado Democrático de Direito”.
A polícia e o Gaeco chegaram às 4h desta terça-feira às casas dos investigados. O policial Lessa mora no condomínio de Vivendas da Barra, na Avenida Lúcio Costa, 3.100, por coincidência, o mesmo do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL).
Não há, porém, nenhuma ligação, a não ser o fato de serem vizinhos. O condomínio fica de frente para o mar, com seguranças na portaria.
Suspeito acompanhava agenda de Marielle
A principal prova colhida pelos investigadores saiu da quebra do sigilo dos dados digitais de Ronnie Lessa. Ao verificar os arquivos acessados por ele pelo celular, antes do crime, armazenados na “nuvem” (dados que ficam guardados em servidor externo e podem ser vistos remotamente), eles descobriram que o suspeito monitorava a agenda de eventos que Marielle participava.
Para a polícia, é um indício de que a vereadora estava tendo seus passos rastreados. Marielle, segundo a investigação, participou de pelo menos uma das agendas pesquisadas pelo suspeito.
De acordo com uma fonte que investiga o caso, Lessa usava na época do crime um telefone “bucha” (comprado com o CPF de terceiros, para não ser rastreado).
Já o aparelho registrado na operadora telefônica em nome do próprio sargento foi usado no dia do duplo assassinato por uma mulher em um bairro da Zona Sul.
O objetivo do militar suspeito, segundo o investigador, foi o de confundir a polícia, caso os agentes fossem verificar as antenas de telefonia das estações de rádio-base (ERBS) para checar se o celular pessoal de Lessa estava no local do crime.
E foi exatamente o que os agentes fizeram. Para chegar ao celular “bucha” usado pelo PM no local do crime, os investigadores realmente tiveram que fazer o que eles chamam de triangulação de antenas, ou seja, levantar as ERBS da região do crime e traçar uma localização mais precisa, refinando assim as buscas pelo celular dos criminosos.
O resultado deste levantamento dos telefones ligados na região onde a vereadora passou, da saída da Câmara dos Vereadores até o local da emboscada, no Estácio, gerou uma extensa lista. Era como achar uma agulha no palheiro.
Num exercício de paciência, de vários meses, os policiais da área de tecnologia da DH trabalharam na pesquisa, reduzindo os alvos, mas, ainda assim, o número era elevado.
Apesar da complexidade, os investigadores, baseados numa imagem de câmaras de segurança da Rua dos Inválidos, no Centro, no dia 14 de março, registraram os horários em que um suposto celular aparece aceso dentro do Cobalt prata dos executores. O carro deles estava estacionado perto da Casa das Pretas, onde Marielle participava como mediadora de um debate.
Com o registro do horário que o possível aparelho estava em uso, a polícia fez uma nova triagem na lista de celulares já existente até descobrir que um destes telefones fez contato com uma pessoa relacionada à Lessa. Daí, a polícia partiu para buscar os dados na nuvem do policial.
Homenagem pelos ‘bons serviços prestados’
Extremamente operacional, Ronnie Lessa encontrou no 9º BPM (Rocha Miranda) a unidade perfeita para o seu perfil. Afinal, o batalhão, nos idos de 1992, tinha fama de ser violento, aparecendo com frequência nas manchetes de jornal.
Não é à toa que os policiais que davam serviço naquela época eram conhecidos como “Cavalos Corredores”. Foi da unidade de Rocha Miranda que saíram os PM condenados pela chacina de Vigário Geral, em 1993, quando 21 pessoas — oito delas evangélicos de uma mesma família — foram executadas.
Na época, o batalhão tinha praticamente todo o seu efetivo com casos de auto de resistência, situação que ganhou o holofote justamente por causa do massacre. Ronnie Lessa ainda era soldado e se integrava aos colegas.
Sua guarnição era uma das campeãs de louvores da corporação pelas operações que incluíam a apreensão de armas e drogas, o estouro de locais de endolação de drogas e prisões.
O chefe do grupo era um capitão que inclusive ainda é lembrado nos dias de hoje como um dos três oficiais mais operacionais que passaram pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope): Cláudio Luiz Silva de Oliveira.
Do público em geral, hoje ele é conhecido como o tenente-coronel Cláudio, condenado a 36 anos de prisão como mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli, em 2011. Ele cumpre pena na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Suspeito recebia muitos elogios
Ronnie Lessa e sua guarnição, quase sempre formada pelos mesmos integrantes, eram parabenizados duas vezes por mês, em média
Era um louvor por mês, sendo que, em 1997, no mês de março houve duas menções. Mas a PM não havia mais espaço para Lessa que junto com outros colegas da mesma guarnição passaram a dar serviço nas delegacia especializadas do Rio, como as que cuidavam de roubos de cargas — justamente porque a maioria dos alvos era de favelas da área do quartel de Rocha Miranda, que a guarnição conhecia bem –, de capturas de presos (Polinter) e para coibir os sequestros.
Entre os colegas que seguiram com Lessa estão: Roberto Oliveira Dias, conhecido como Beto Cachorro; e os irmãos Ivan Jorge Evangelista de Araújo e Floriano Jorge Evangelista Araújo.
Todos foram investigados na Operação Guilhotina, deflagrada pela Polícia Federal que apurava a corrupção policial na Polícia Civil. Lessa não foi indiciado na época.
Discreto mas eficaz
Lessa também recebeu moção do deputado estadual Pedro Fernandes (PSD), em 23 de novembro de 1998, avô do atual secretário de Educação Pedro Fernandes.
Fernandes destacou na época: “a maneira como vem pautando sua vida profissional como policial-militar do 9º BPM. Sem nenhum constrangimento posso afirmar que o referido militar é digno desta homenagem por honrar, permanentemente, com suas posturas, atitudes e desempenho profissional, a sua condição humana e de militar discreto mas eficaz. Constituindo-se, deste modo, em brilhante exemplo àqueles com quem convive e com àqueles que passam a conhecê-lo. Por tudo isto, sinto-me orgulhoso e honrado ao propor esta moção de louvor”.
COMO A POLÍCIA CHEGOU AOS SUSPEITOS DE MATAR MARIELLE
O passo a passo da investigação que levou aos nomes do PM Ronnie Lessa e do Ex-PM Elcio Queiroz
“É inconteste que Marielle Francisco da Silva foi sumariamente executada em razão da atuação política na defesa das causas que defendia. A barbárie praticada na noite de 14 de março de 2018 foi um golpe ao Estado Democrático de Direito”, afirmam as promotoras Simone Sibilio e Leticia Emile na denúncia contra Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz por envolvimento no assassinato da vereadora.
A polícia demorou meses para chegar ao nome de Ronnie Lessa, 48 anos, sargento reformado da Polícia Militar.
Ele, que mora no mesmo condomínio de classe média alta do presidente Jair Bolsonaro, o Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, teve o nome aventado a partir de informações recebidas pela polícia de dentro e de fora de presídios.
Sem conseguir coletar provas físicas e depoimentos que “entregassem” a participação de Lessa, apostou nos dados digitais do PM.
Eles verificaram os arquivos acessados por Lessa pelo celular, antes do crime, armazenados na “nuvem”.
Assim, ficaram sabendo que o suspeito acompanhava a agenda da vereadora. Segundo investigadores, ele utilizava um celular comprado no CPF de um terceiro.
O que estava registrado sob o seu cadastro foi utilizado, no mesmo dia dos assassinatos de Marielle e Anderson Gomes, na Zona Sul do Rio.
Marielle e Anderson foram mortes em 14 de março de 2018, quase um ano atrás, na Rua João Paulo I, no bairro do Estácio, zona norte do Rio.
Segundo a PM, Lessa teria atirado nas vítimas, e Elcio era quem dirigia o Cobalt prata usado na emboscada.
Com a troca dos celulares, o suspeito tentava enganar a polícia, caso os agentes verificassem as antenas de telefonia para checar se Lessa estaria no local do crime naquele momento.
Por vários meses, os policiais da área de tecnologia da Delegacia de Homicídios trabalharam na pesquisa, reduzindo o número de aparelhos investigados.
Baseados numa imagem de câmaras de segurança da Rua dos Inválidos, no Centro, no dia 14 de março, os investigadores registraram os horários em que um suposto celular aparece com a tela ligada dentro do Cobalt prata dos executores.
O carro deles estava estacionado perto da Casa das Pretas, onde Marielle participava como mediadora de um debate.
A partir do horário que o aparelho estava possivelmente em uso, os investigadores fizeram uma nova triagem na lista de celulares até descobrir que um destes telefones fez contato com uma pessoa relacionada à Lessa.
Desse ponto, a polícia trabalhou para buscar os dados na nuvem do policial.
A operação Lume, deflagrada nesta quarta e que levou à prisão de Lessa e Queiroz, além de estar fundamentada na interceptação dos dados digitais do suspeito, também se sustenta em depoimentos de informantes, inclusive presos no sistema carcerário.
Após quase 12 meses de investigação, polícia e o Ministério Público do Rio concordaram em desmembrar o inquérito em duas partes para não perder mais tempo.
Uma das partes foi transformada em denúncia, identificando os atiradores. A outra, que ainda está em andamento, está focada em encontrar os mandantes do crime – que ainda não foram identificados.
Apesar da prisão de Lessa e Queiroz, a Polícia tem a certeza de que um terceiro homem estava dentro do Cobalt que alvejou o carro de Marielle e Anderson.
Em 27 de abril do ano passado, Lessa sofreu um atentado. Ele e um amigo, bombeiro, foram baleados no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca. Um motociclista teria abordado o carro dos dois.
Os dois, militares, reagiram e balearam este homem, que fugiu. À época, a Polícia Civil informou que não descartava nenhuma hipótese para o crime, mas que considerava como a principal linha de investigação uma tentativa de assalto.
Lessa foi obrigado a entrar com um boletim de ocorrência porque ele foi baleado e levado ao Hospital Municipal Lourenço Jorge, também na Barra da Tijuca. A cadeia de eventos também chamou a atenção dos investigadores que trabalhavam no caso Marielle.
Essa não é a primeira vez que Lessa aparece no noticiário. Em 2009, ele foi vítima de um outro atentado, em Bento Ribeiro. Uma bomba explodiu dentro de seu carro, um Toyota Hilux blindado. Ele perdeu uma das pernas no crime e, desde então, utiliza uma prótese.