Por Debora Álvares, compartilhado de Huffpost Brasil –
Reivindicações da polícia extrapolam salários. Sem caixa, governos estaduais tentam conter grevistas.
Os dois tiros que acertaram o senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE) enquanto ele avançava com uma escavadeira sobre policiais militares grevistas no Ceará jogaram luz não apenas à manifestação de PMs que tomou conta do estado, mas também às reivindicações da categoria em outros locais do País.
Pelo menos no Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro há um clima de tensão entre agentes da segurança pública — variam entre policiais militares, civis ou outros agentes de segurança.
Na noite desta quinta-feira (20), após uma assembleia geral, a Guarda Municipal do Rio — são 7,5 mil profissionais — decidiu paralisar as atividades durante o Carnaval, entre sábado (22) e terça-feira (25). A cidade espera receber dois milhões de turistas no feriado deste ano e os blocos nas ruas devem reunir mais de 7 milhões de foliões, de acordo com expectativa da Riotur.
Nacionalmente, há uma pressão por aumentos salariais que tem ganhado força com a agenda pró-polícia do presidente Jair Bolsonaro, que tem levado a política cada vez mais para dentro da corporação.
Como começou a manifestação da PM no Ceará?
As manifestações de policiais e bombeiros militares já vêm desde dezembro de 2019. Semana passada o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), anunciou um acordo com entidades que representam a classe. Aumentaria o salário-base de R$ 3,2 mil para R$ 4,5 mil progressivamente até 2022. Isso geraria um impacto no orçamento do estado de R$ 149 milhões.
Não adiantou. Parte dos militares seguiu com as convocações de greve pelas redes sociais, mesmo sabendo da ilegalidade. O MPCE (Ministério Público do Ceará) mandou os comandantes-gerais da PM impedirem os atos. Na segunda (17), o Tribunal de Justiça do estado decidiu que agentes poderiam ser presos em casos de greves ou manifestações.
O que aconteceu durante a manifestação?
O ápice foi nesta quarta-feira (19), quando grupos de encapuzados atacaram batalhões da Polícia Militar. Nas ações, os alvos foram os carros da corporação que, em alguns casos tiveram os pneus furados e, em outros, foram levados das sedes.
Em Sobral, onde o senador licenciado Cid Gomes foi baleado, policiais ordenaram que comerciantes fechassem as portas no centro da cidade.
A reivindicação dos grupos é apenas por aumento de salário?
Esta é a principal, mas de forma geral, em todo o País, as polícias reclamam das condições e da carga excessiva de trabalho. “Nas grandes polícias hoje temos grandes surtos de doenças psicológicas devido à carga de trabalho e à pressão social”, destacou o coronel Wellington Corsino do Nascimento, presidente da Associação dos Militares Estaduais do Brasil (AmeBrasil). Falam em descaso do governo e avaliam que a legislação, de forma geral, dá pouca proteção ao policial.
Nos demais estados as reivindicações são as mesmas?
Praticamente. Mas há variações de acordo com as negociações com cada governo.
Em Minas, por exemplo, o governador Romeu Zema (Novo) concedeu um reajuste salarial de 41% aos servidores da área de segurança pública do estado. São aumentos escalonados até 2022, que receberam aplausos de aliados de Jair Bolsonaro, mas criticados pela oposição e mesmo por aliados do governador no estado.
A questão extrapola o corporativismo e parte para a política?
Depende. Na verdade, os estados vêm enfrentando graves crises financeiras há alguns anos. Minas é um dos casos mais representativos nessa situação. O estado ainda não quitou o 13º de 2019 com os servidores, nem a folha salarial de janeiro. Ao assumir o governo local, no início do ano passado, Romeu Zema disse que o déficit previsto era de R$ 30 bilhões e que só a folha salarial comprometia 80% dos recursos.
Foi por isso que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um dos entusiastas das reformas econômicas e defensores de “distorções da máquina pública”, se posicionou contra o aumento concedido pelo governador de Minas Gerais e destacou que a opção de ceder aos anseios dos profissionais da segurança pública coloca em xeque os rumos do estado ao regime de recuperação fiscal com a União.
Mas, afinal, policiais podem fazer greve?
A legislação proíbe greve de policiais e militares das Forças Armadas. A restrição está nos artigos 142 e 42 da Constituição. Em abril de 2017, o STF (Supremo Tribunal Federal) estendeu a proibição de greve aos policiais civis, federais, rodoviários federais e policiais ferroviários federais. “O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de Segurança Pública”, diz a tese aprovada em plenário.
Na quinta, os ministros do STF Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski lembraram essa inconstitucionalidade.
″É verdada à Polícia Militar sindicalização e greve; está expresso na Constituição. Obviamente proibir a greve não faz com que eles deixem de fazer. Proibir homicídio não faz com que deixe de ter homicídio. Na verdade, as consequências têm que ser graves, porque é ilegal. [Os PMs grevistas] Podem perder o cargo, podem sofrer procedimento criminal inclusive”, disse Moraes, seguido pelo colega.
“Preocupante. Acho que uma greve de policiais, se não for controlada, é um grave sinal de anomia. É um perigo para as instituições. Não pode, nenhuma corporação armada pode fazer greve. Como ministro do Supremo Tribunal Federal, acho que é extremamente preocupante uma greve de policiais militares ou qualquer corporação armada. É constitucionalmente vedado que corporações armadas façam greve”, afirmou Lewandowski.
Manifestações em outros estados
Piauí
Depois de um protesto na terça (18) para reivindicar reposição salarial que não acontece desde 2015, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), optou por um decreto em que garante o pagamento de diárias e horas extras por operações planejadas. A medida deve beneficiar os policiais no Carnaval, período em que os os profissionais trabalham além da jornada normal.
Paraíba
Pneus de viaturas da PM e do Corpo de Bombeiros foram furados na noite de quarta (19) antes do desfile de blocos em João Pessoa. No dia, houve uma paralisação de policiais e, segundo o G1, embora ainda não houvesse confirmação, “um PM contou que cerca de vinte policiais encapuzados o abordaram e furaram os pneus”.
Espírito Santo
Houve um ato na capital semana passada, mas após uma reunião de representantes da categoria com o governo, não se chegou a um acordo. O Ministério Público do estado alertou as associações e sindicatos que os policiais não devem realizar atos violando a ordem. Em 14 de fevereiro, Vitória teve uma série de ataques criminosos em avenidas importantes na cidade que, segundo a PM, são respostas de grupos à ocupação do Complexo da Penha pela polícia.
Alagoas
Desde segunda (17), policiais civis fazem uma paralisação por reajuste salarial previsto para terminar na sexta (21). O Tribunal de Justiça de Alagoas tenta intermediar as negociações entre o Sindicato de Policiais Civis (Sindpol-AL) e o governo.
Pernambuco
A Polícia Civil decidiu não paralisar as atividades até o dia 11 de março depois de se reunir com o governo. Haverá na ocasião uma reunião para que o Executivo apresente uma proposta de melhoria no plano de carreira e de reajuste salarial dos policiais.
Foto porMIGUEL SCHINCA RIOL VIA GETTY IMAGES
Policiais de ao menos 10 estados estão por um fio no tratamento com os respectivos governos estaduais.