Políticos negros no Brasil e a tentativa de nadar contra a maré da necropolítica

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Por Abidan Henrique, compartilhado de Construir Resistência

O genocídio negro é uma dura verdade enfrentada por milhões de famílias
negras no Brasil. Num contexto de mito da democracia racial, os números não
mentem e deixam cada vez mais explícito as violências diretas e indiretas que
pessoas negras vivem, cotidianamente. Para aqueles que achavam que o filme Medida Provisória era somente uma distopia, a linha que difere a realidade e a ficção é mais tênue do que parece.
O filme se passa num Brasil do futuro, no qual é anunciada a Medida Provisória 1888, uma iniciativa voltada para uma suposta reparação histórica, que diz que todos os cidadãos que tenham fenótipos africanos têm o direito de retornar à África. Inicialmente, o projeto era voluntário, mas, rapidamente, se torna uma
estratégia de genocídio e eugenismo da população negra brasileira.
Ainda que uma Medida Provisória não tenha sido assinada no país, a necropolítica acontece em paralelo com o mesmo objetivo: embranquecer e dizimar a população brasileira. De acordo com o Atlas da Violência 2021, a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra.
A violência policial que mata o jornalista André (interpretado por Seu Jorge) no filme, é a mesma que mata e aterroriza jovens negros nas periferias do Brasil.
Segundo a pesquisa do DataFavela “Periferia, racismo e violência”, em parceria da Cufa (Central Única das Favelas) com o Instituto Locomotiva, 4 em cada 10 pessoas de origem periférica afirmam já ter sofrido violência policial; metade dos que vivem nas periferias do Brasil afirmam sentir medo ao ver a polícia e a afirmação “a polícia é perigosa para pessoas como eu” ressoa em 54% dos negros, enquanto para brancos a frase só faz sentido para 17%.
O Monitor da Violência, produzido pelo G1, também mostra que, em 2019, o
número de pessoas mortas por policiais aumentou 1,5%, enquanto o número de
policiais que morreram diminuiu 51%. No mesmo ano, 74,4% das 39.561 vítimas de
homicídio eram negras. O índice sobe para 79,1%, quando o autor do assassinato
foi um policial (dados do Anuário de Segurança Pública).
A necropolítica é escancarada. Esse conceito foi desenvolvido por Achille Mbembe, em que o autor fala que o Estado, com seu poder soberano, decide quem vive e quem morre ao criar máquinas de guerras com homens armados que se dividem ou se mesclam, dependendo da tarefa e das circunstâncias. No Brasil, a máquina de guerra ocorre com o pretexto da guerra às drogas, fomentada (e
negligenciada) pelo Estado, com o argumento de “proteção ao cidadão”. Contudo,
esta guerra possui como alvo pessoas com classe e raça determinados, enquanto
grandes nomes do tráfico e milícias seguem beneficiados.
Os políticos e políticas que desejam se candidatar com objetivo de romper
com esse sistema, que oprime de todas as formas possíveis pessoas negras, correm perigo. Marielle Franco, ex-vereadora da cidade de Rio de Janeiro, denunciou uma série de casos de abuso de autoridade por parte de policiais e
milicianos contra moradores das favelas e foi assassinada. Até hoje, lutamos por
justiça por Marielle e Anderson.
Ao tentar defender o direito da vida e ir contra a perpetuação da violência policial, uma vereadora foi morta e sua investigação não foi devidamente tocada em mais de quatro anos. Para o corpo negro, independente de seu espaço ou posição social que ocupa, não existe proteção, assim como no filme Medida Provisória. É importante lembrar que, mesmo com todas as tentativas de genocídio e eugenia,
tanto no filme quanto na vida real, a população negra segue resistindo, lutando e
ocupando todos os lugares, até mesmo na política.




Abidan Henrique é engenheiro civil formado pela Poli-USP e único vereador de
oposição em Embu das Artes (SP), filiado ao PSB.

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