Publicado em Ponte Jornalismo –
Em cerimônia, Fausto Salvadori, fundador da Ponte, leu carta escrita por Bruna Silva, mãe de adolescente morto pela polícia do RJ e que teve a história contada na série Sem Direitos
“Meu filho foi morto pelo braço armado do Estado. Marcos Vinícius já tem 1 ano e meio de morto, de lá para cá me tornei uma defensora dos direitos humanos”. A frase de Bruna da Silva foi lida por Fausto Salvadori, repórter, editor e um dos fundadores da Ponte Jornalismo, durante a cerimônia de entrega do 41º Prêmio Vladimir Herzog pela série “Sem Direitos”, feita em conjunto com Projeto #Colabora e Amazônia Real.
A série de reportagens que retrata a realidade de 65% da população brasileira venceu na categoria Produção Jornalística em Multimídia da mais importante premiação jornalística e de direitos humanos do Brasil.
Mais do que uma vitória para os três veículos, que atuaram como parceiros e colhem os frutos da colaboração jornalística, a conquista do Herzog evidencia que é preciso amplificar, cada vez mais, as vozes dos grupos que historicamente foram silenciados.
“Eu me lembro que, na porta o IML (Instituto Médico Legal), a primeira coisa que eu falei para a imprensa foi: cadê os direitos humanos do meu filho, onde estavam os direitos humanos que foram negados a ele naquele 20 de junho de 2018? Naquele mesmo dia começou minha busca por esses direitos humanos, direito de todo cidadão brasileiro que é negado todos os dias”, escreveu Bruna, no discurso emocionando e potente lido por Salvadori.
O projeto “Sem Direitos” foi pensado por Adriana Barsotti, do Colabora, que foi responsável por coordenar a sua implementação. O convite à Ponte e à Amazônia Real foi aceito na hora.
“Ressalto a importância da colaboração no jornalismo. Acredito que o jornalismo vai ganhar cada vez mais força quanto mais nós formos colaborativos”, exaltou Adriana, que dedicou a premiação aos personagens retratados e ao jornalista Ricardo Boechat, morto em um acidente aéreo em fevereiro de 2019, e que para ela foi uma referência.
Maria Fernanda, da Amazônia Real, destacou o trabalho de cobertura dos povos da floresta. “Ribeirinhos, quilombolas, indígenas… Sempre nos pautamos pelo jornalismo colaborativo, mas criando uma grande rede pelo Brasil e pelos estados do Norte”, disse.
Além da categoria multimídia, o prêmio Vladimir Herzog premiou produções em texto (Matança da PM em Milagres e a invenção da resistência, do Diário do Nordeste), vídeo (70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos – conquistas e fracassos, da TV Globo), fotografia (Exército detém dez militares ligados a assassinato de músico no Rio, do El País Brasil), arte (Tira, do Portal Leia Já) e áudio (LGBTfobia: Medo de quê?, da Rádio CBN).
Os jornalistas Patrícia Campos Mello e Glenn Greenwald receberam a homenagem máxima da noite pelo trabalho jornalístico realizado na Folha de São Paulo e The Intercept Brasil, respectivamente. Mello revelou uma rede de disparos de mensagens no WhatsApp na campanha eleitoral do então candidato, hoje presidente eleito, Jair Bolsonaro. “As mulheres são as principais vítimas. Há um componente de misoginia nas milícias virtuais”, destacou a jornalista. “Eu nunca me curvei. E não me curvarei. Pela memória de Vlado, temos que continuar fazendo jornalismo e de maneira independente”.
Já Greenwald lançou uma bomba no cenário político brasileiro com a “Vaza Jato”, como foi apelidada a série de vazamentos de mensagens que colocou em xeque a operação Lava-Jato. A denúncia aponta combinações entre procuradores, um deles Deltan Dallagnol, responsável pela condenação do ex-presidente Lula, e o então juiz e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. “As ameaças e a raiva que esse governo têm das minhas denúncias me dão muito orgulho”, disse Glenn, que exaltou a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro junto de seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018. “Não vou me calar até os monstros que mataram Marielle estarem na prisão”.
A noite contou com várias manifestações públicas de apoio ao jornalismo em um período histórico repleto de ataques à profissão e aos defensores dos direitos humanos. Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), cuja memória do pai, morto na ditadura militar, foi atacada pelo presidente Bolsonaro, agradeceu o apoio recebido por meio das palavras do jornalista Juca Kfouri, mestre de cerimônias do prêmio.
“Os princípios dos direitos humanos devem necessariamente integrar a agenda brasileira. Devemos proteger a liberdade e quem luta por ela. A perenidade desse prêmio destaca a memória e justiça. Os direitos humanos são processos de luta. O respeito ao outro vencerá o ódio e a intolerância”, declarou Santa Cruz. “Nessa premiação, revela-se o trabalho incansável para que as dores do ser humano, injustiça, violações de direito tenham sim espaço na imprensa. Não permitiremos que a barbárie nos domine. A sociedade brasileira é Vladimir Herzog, não os facínoras que o mataram”, finalizou, sendo ovacionado.