Por Leo Aversa, Projeto Colabora –
Uma reflexão sobre quartos, infiltrações e conversas entupidas
Não foi pelos 20 centavos. A tempestade já estava no ar, só esperando para cair na nossa cabeça. A partir das manifestações de 2013, veio a chuva de impropérios e polarizações. As redes sociais se tornaram um MMA, todo mundo com o dedo na cara do outro, brigando primeiro por política, depois por qualquer motivo idiota.
O mais triste é que, mesmo depois de tanta discussão, ninguém mudou de opinião. Pelo contrário, cada vez mais se radicalizaram os pontos de vista. O que era discordância se transformou em ódio profundo. Nada de debate ou mudança de enfoque, as pessoas passaram a se afastar, horrorizadas, de qualquer argumento que fosse diferente e, claro, bloqueando quem não concordasse com cada vírgula do seu pensamento. As redes se tornaram uma constelação de bolhas, cada uma se achando o próprio universo e lotadas de pastores pregando para convertidos.
Uma espécie de Big Bang ao contrário.
Alguns começaram a perceber o que estava ocorrendo. O ativista LGBT, que lançava manifestos contra a homofobia para seus amigos de Facebook, se deu conta de que se algum dos seus contatos fosse homofóbico, não estaria ali, como amigo de um ativista LGBT. A feminista, que fazia campanhas voltadas para as amigas feministas, percebeu que a grande maioria das mulheres era muito mais oprimida que ela e suas amigas e que sua “mensagem libertadora” não chegava nem perto delas. A militância virtual da esquerda, que não havia encontrado um eleitor de direita durante a campanha, viu Bolsonaro, Crivella e cia ganharem eleições de lavada.
A questão relevante não era coxinhas x petralhas, liberais x conservadores, feministas x machistas ou qualquer treta dessas que ocupavam todo o tempo das redes.
O importante é muro x ponte.
Cada vez que você xinga, despreza, ridiculariza ou ignora o diferente, está construindo muros. No início é fantástico, nada melhor do que aplaudir aquele que diz exatamente o que você quer escutar. É o som mavioso da própria voz. Pouco a pouco, enquanto o muro vai subindo, suas opiniões vão se engessando. Logo já não se vê nada do lado de lá, são só os “outros”, como naquela ilha de Lost. Tanto faz se os “outros” são dois ou milhões, o que importa é que eles estão errados, o que automaticamente te faz entrar em êxtase por estar certo. Esse êxtase vicia mais que heroína. Uma das características principais dos ativistas radicais de internet, além da agressividade virulenta contra o diferente, é a auto-celebração. Cada vez que um emite um bordão (as idéias gastas sempre acabam virando bordões) os cúmplices comemoram efusivamente. Nem precisaria do muro, não conseguem enxergar um palmo à frente de tanto confete que jogam uns nos outros. É um exército de estátuas vivas.
Mas se você ouve o outro, presta atenção no que ele diz, mesmo que seja algo completamente contrário ao que você pensa, está levantando uma ponte. É essa ponte que te permite ir mais longe, trocar idéias. Talvez algo que você diga mude o que ele faz e algo que ele faz mude o que você diz.
No mais, estamos todos na mesma casa. Se trancar no quarto nunca vai resolver o problema da pia entupida ou da infiltração na sala.
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Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coréia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.