MÍDIA
Por Alberto Dines em Observatório da Imprensa
A delação premiada é recurso legítimo para apressar o processo penal. Pressupõe o respeito a algumas exigências, a principal é o sigilo absoluto. A divulgação do teor das confissões põe em risco a vida do próprio acusado ou de seus cúmplices, facilita a destruição de provas e estimula a fuga dos delatados. Desrespeitada a cláusula do sigilo, o pacto da delação corre o risco de ser invalidado a pedido de uma das partes, do Ministério Público ou da Justiça.
Veja deveria ter pensado nisso antes de publicar no formato de reportagem o resumo das 42 horas de gravação do depoimento na Polícia Federal do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa. A paranoia sensacionalista pelo “furo” pode produzir efeitos adversos, inclusive beneficiar a fonte do vazamento.
Na “Carta ao Leitor” da edição 2390 (de 10/9, pág.13), o responsável pela revista, sem identificar-se, procura atribuir a responsabilidade aos “delegados da PF e procuradores [do MP]”.
Puro despiste, visível cortina de fumaça. Delegados ou procuradores seriam facilmente identificáveis; o tal resumo estava pronto, serviu de base para as tais 42 horas de interrogatórios e foi oferecido como brinde à Veja. Nele estão nomeados 12 personagens, entre eles um ministro, dois ex-governadores, deputados, senadores e a cúpula do Legislativo federal. É apenas uma amostra – a revista menciona a presença de um número bem maior de figurões: três governadores, seis senadores e 25 deputados.
Padrões indesejáveis
Na realidade não houve vazamento, houve troca de favores. Razões não faltam: a) chantagem para garantir maiores benefícios penais ao delator; b) advertência para dissuadir os interessados em “apagar” Paulo Roberto Costa; e, c) interromper o processo da delação, adiando-o para depois das eleições.
Veja aprendeu a correr riscos e fez uma escolha. Inconcebível e indesculpável é que o grosso da grande imprensa tenha embarcado cegamente numa perigosa aventura em que o seu prestígio e credibilidade podem ficar seriamente comprometidos. Com o grosseiro compartilhamento de informações desprovido de qualquer complemento investigativo, a fina flor da nossa mídia atrelou-se a um modus operandi que em seminários e ágapes corporativos geralmente desaprova. Nivelou-se por baixo sem constrangimento e sem vacilações.
O pool formado no último fim de semana a reboque de Veja confirma uma vocação concentradora de nossa imprensa incompatível com o conceito de pluralismo e justifica as cruzadas xiitas contra o PIG, Partido da Imprensa Golpista.
A sucessão de escândalos envolvendo a Petrobras não pode servir de paradigma para um vale-tudo que empurra o nosso jornalismo para os padrões das redes sociais, e dos quais dificilmente se libertará.
Para depois
Foram imediatas as reações ao material divulgado por Veja & Associados. Já no domingo (7/9), PT e o PSB exigiram acesso ao texto da delação. No dia seguinte foi a vez da Petrobras e das duas CPI do Congresso. Dificilmente conseguirão quebrar o sigilo de um processo de delação acompanhado pela Procuradoria Geral da República e pelo Supremo Tribunal Federal. Mas podem adiar a sua conclusão para depois das eleições.