Por maioria, STM liberta militares que fizeram 257 disparos contra o carro de Evaldo dos Santos Rosa

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Publicado em Jornal GGN – 

‘Não podemos aceitar o Estado fuzilando cidadãos’, declarou a única ministra que votou por prisão de militares que mataram músico e catador

Evaldo dos Santos Rosa. Foto: Reprodução/Facebook

Jornal GGN – A maioria dos ministros do Superior Tribunal Militar (STM) decidiu nesta quinta-feira (23) conceder liberdade para nove dos 12 militares envolvidos na morte do músico Evaldo dos Santos Rosa e do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo. O crime aconteceu em abril, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Outros três militares que participaram da ação já haviam sido liberados por ordem da Justiça para responder em liberdade: dois deles dirigiam as viaturas que transportavam os militares e o terceiro não chegou a realizar disparos.

A mais alta Corte da Justiça Militar, o STM é formado por 15 ministros. O presidente do tribunal só vota em casos de empate. Entre os 14 que votaram, apenas a ministra Elizabeth Rocha votou por manter a prisão preventiva do grupo. Do restante, dois votaram para que os militares respondessem em liberdade com a aplicação de medidas cautelares (como a proibição de portarem armas em atividades laborais externas) e dez pela plena liberdade dos nove militares. Ganhou a maioria.




O vice-presidente da Corte, ministro José Barroso Filho, chegou a votar pela manutenção da prisão do tenente Ítalo da Silva, que comandava a operação, mas também foi vencido.

Os militares estavam presos desde abril, por ordem da Justiça Militar. O julgamento do habeas corpus, solicitado pela defesa, começou no dia 8 de maio. Na ocasião, cinco ministros votaram: quatro a favor de conceder habeas corpus aos nove militares, e um, a ministra Elizabeth Rocha, contra a liberdade deles.

No mesmo dia, o julgamento foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do Barroso Filho. Alguns dias depois, em 11 de maio, o Ministério Público Militar fez a denúncia formal tornando os 12 militares réus de ação por homicídio qualificado, tentativa de homicídio qualificado e omissão de socorro.

O julgamento foi retomado e concluído nesta quinta-feira (23), quando finalmente a maior parte dos ministros votou pela concessão do habeas corpus com liberdade plena para os nove militares.

Em entrevista à BBC Brasil News, antes da retomada do julgamento, a ministra Elizabeth Rocha foi questionada sobre o fato de os outros colegas terem votado pela soltura dos militares alegando que o tribunal não deveria ceder ao “clamor popular”.

“Temos que ouvir, sim, a sociedade, porque fazemos parte dela. E o clamor da sociedade é o meu clamor. A diferença é que eu estou ali dentro para poder julgar. Eles têm só as redes sociais e a imprensa. Eu compartilho da indignação popular. Acho que o que aconteceu realmente não pode ser ignorado”, ponderou.

A ministra refletiu ainda sobre a necessidade do caso, em específico, ser julgado com imparcialidade, completando: “[Ele] não pode ser ignorado porque foi um fato muito grave. Foi o Estado fuzilando cidadãos. Isso não é possível aceitar”.

A magistrada frisou também que a leitura sobre a legítima defesa precisa ser feita com a devida proporcionalidade. “Se uma pessoa te ameaça com uma faca de cozinha, você não pode reagir dando tiros de revólver”, pontuou.

Os crimes

Foram muito mais que 80 tiros. Na denúncia, o Ministério Público Militar apresentou laudos que apontam terem sido disparados 257 tiros de fuzil e de pistola. Segundo os procuradores, o carro do músico Evaldo dos Santos Rosa foi atingido por 62 disparos. No veículo estavam outras quatro pessoas: a esposa de Evaldo, o filho de sete anos do casal, o sogro dele e uma amiga. Eles sairam com vida e somente o sogro de Evaldo foi ferido.

Os militares fizeram uma segunda vítima fatal, que não estava no veículo: o catador de materiais recicláveis Luciano Macedo. Ele passava pelo local junto com a esposa grávida e morreu tentando salvar os ocupantes do carro. Primeiro Luciano tirou o filho do músico, depois voltou para o carro na tentativa de salvar Evaldo. Chegou a ser levado ao hospital com vida, mas depois de alguns dias faleceu.

A defesa dos militares alega que os agentes do Comando Militar do Leste confundiram o veículo com um que havia sido roubado. A perícia também encontrou projéteis disparados pelos militares em outros dois carros estacionados, o gradeado de um piscinão e o muro de um bar.

“No meu voto, eu mostro que não havia risco nenhum (para a vida dos militares ou de terceiros), porque a pessoa que tinha sido assaltada não tinha sido raptada, sequestrada. O Exército acabou resguardando um bem patrimonial, não foi nem a vida de uma pessoa. A vítima do furto estava em segurança, do lado de fora”, destacou Elizabeth Rocha à BBC.

Nesta quinta-feira, a ministra pediu a palavra na sessão para completar o voto, fazendo considerações a respeito do local e cor de pele das vítimas.

“Quando um negro pobre no subúrbio do Rio de Janeiro é confundido com um assaltante, tenho dúvidas se o mesmo ocorreria com um loiro em Ipanema vestindo camisa Hugo Boss”, concluiu.

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