Noite de domingo para conhecer, aprender e descobrir a mitologia indígena e suas versões criadas pelo homem branco

Na tela da TV o filme tinha recém-começado e de pronto prendeu minha atenção. Imagens de fotos antigas mostravam um homem estrangeiro ladeado por dois homens indígenas. Outras imagens exibiam mulheres indígenas em seus afazeres enquanto o mesmo homem estrangeiro as filmava.




Quem será esse cara?

Por que o título do filme quer saber o paradeiro de Makunaíma, com K?

Macunaíma com C conhecemos pelo livro de Mário de Andrade, publicado em 1928, pelo filme de Joaquim Pedro de Andrade, que estreou nos cinemas brasileiros em 1968, e também pela peça dirigida por Antunes Filho, que em 1978 cumpriu temporada no Teatro São Pedro, em São Paulo.

O nome do homem estrangeiro é Theodor Koch-Grünberg, etnólogo alemão que nos anos iniciais do século 20 por três vezes viajou pela região da tríplice fronteira Brasil-Venezuela-Guiana. Pesquisador e pioneiro da fotografia antropológica, Koch-Grünberg estudou as origens de várias etnias indígenas que ainda habitam as terras próximas ao Monte Roraima.

Com os povos Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Wapixana, Akawaió, Arekuna, Kamarakoto, Pemon e Kapon, o alemão ouviu muitas histórias reveladoras da mitologia indígena. Foram seus guias Mayulaípu Taurepang e Akuli Arekuna que apresentaram a Koch-Grünberg o mito de Macunaíma. Esta e outras histórias contadas pelos dois companheiros de viagem estão no livro escrito pelo homem estrangeiro:

De Roraima ao Orinoco.

Ao ler o livro do alemão, Mário de Andrade viu acender a chama que o levou a escrever Macunaíma.

“Resolvi escrever porque fiquei desesperado de comoção lírica quando, lendo o Koch Grünberg, percebi que Macunaíma era um herói sem nenhum caráter nem moral nem psicológico, achei isso enormemente comovente nem sei por quê…”

Eu, em frente à TV, vejo cenas das comunidades da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Ouço homens e mulheres contando suas histórias em português, espanhol, macuxi, tuarepang e alemão.

Uma mulher indígena, uma senhora de voz fraca, fala sobre a origem de Macunaíma no Nordeste do estado de Roraima. Ela se vira, mira o horizonte e estende o braço direito para indicar que “ele veio de lá, bem de lá, veio andando lá do começo do mundo”.

Fico comovido. Imagino Macunaíma vindo lá de longe e se aproximando o suficiente para entrar em foco na lente da câmera. Este Macunaíma que vejo não é Grande Otelo, não é Paulo José e também não é Cacá Carvalho. Ele não é do cinema e nem do teatro. Ele é um índio.

Aprendo pelo filme que o mito de Macunaíma é comum entre os indígenas do Brasil, da Venezuela e da Guiana, onde os três países se encontram para formar a tríplice fronteira. Aprendo ainda que existem três grafias para nomear o personagem mitológico: Macunaíma, Makunaima e Makunaimã.

Descubro que o cineasta Paulo Veríssimo começou a rodar em 1981 sua versão cinematográfica do mito. Exu-Piá, coração de Macunaíma tem como protagonistas os atores Grande Otelo, do filme de 1968, e Cacá Carvalho, da peça de 1978. Os dois ‘Macunaímas’ interagem com o busto de Mário de Andrade, na entrada da Biblioteca Municipal de São Paulo, que leva o nome do escritor. O Macunaíma de Cacá de Carvalho cobra o autor do livro de 1928.

“Você fica aí escrevendo e quem paga o pato sempre é o pobre do Macunaíma.”

Confesso que fiquei de boca aberta assistindo a Por onde anda Makunaíma? Fui envolvido por sua fantasia e por sua realidade.

A direção é do cineasta carioca Rodrigo Séllos, com roteiro da recifense/carioca Juliana Colares.

No final de dezembro passado, no Festival de Brasília, ganhou o prêmio de melhor filme brasileiro de longa-metragem.

Termino a coluna como o filme termina.

Com vocês…

Macunaíma, herói de nossa gente, samba enredo que a Portela levou para a avenida no carnaval de 1975.

Aqui, na voz de Clara Nunes e na de Silvinho do Pandeiro.